Como seria uma semana de 4 dias de trabalho?
Já ninguém tem dúvidas de que o mundo laboral dificilmente voltará a ser igual no pós-pandemia, sendo uma das áreas em que isso é mais evidente o teletrabalho. Com o repensar das formas de trabalhar, regressou também a discussão em torno da semana de trabalho de quatro dias, com alguns países ou empresas de forma isolada a testar este modelo. Se se trata apenas de uma utopia e algo reservado a um ‘clube’ muito restrito de países ricos ou se será mesmo o futuro do mundo do trabalho não sabemos ainda.
A pandemia permitiu que trabalhadores e patrões percebessem que não é o horário fixo ou a presença física dos colaboradores nas empresas que determina ou garante que estes cumprem as suas obrigações. Mesmo com as pessoas afastadas dos seus escritórios, o trabalho continuou a surgir feito. Em muitos casos, gerou-se até um efeito contraproducente, com muitos trabalhadores a assegurar que trabalhavam mais horas por dia em confinamento do que antes da pandemia.
A isto junta-se o surgimento de outros dossiers que estão hoje no centro da agenda política, social e mediática, como é o caso das alterações climáticas ou da importância de se dar mais atenção à saúde mental. Tudo isto num momento em que o desenvolvimento tecnológico dos últimos anos trouxe as ferramentas que permitem pôr em prática estes modelos ‘alternativos’ de trabalho.
Em resultado, começam a ser levadas mais a sério na ‘equação’ laboral variáveis como a qualidade de vida dos indivíduos, o equilíbrio entre lazer e trabalho, o impacto ambiental ou os custos financeiros e de tempo inerentes às deslocações diárias para o trabalho. Assim como os efeitos na produtividade dos trabalhadores e no seu desempenho.
Descobrimos todos que não há uma forma ideal de trabalhar, podendo, consoante o caso, fazer sentido ter todos os trabalhadores na empresa, ter parte – ou a maioria – a trabalhar de forma remota (a partir de casa ou não), em horários fixos ou flexíveis, sem que isso comprometa a produtividade e rendimento dos colaboradores. Pelo contrário.
Vários países já testam o novo modelo
A semana de trabalho de quatro dias está em teste em vários países, nomeadamente na Islândia, Japão, Suécia ou Nova Zelândia. No caso islandês, onde as primeiras experiências passaram por oferecer aos trabalhadores o mesmo salário por menos dias, os resultados parecem animadores, com relatos de um maior bem-estar dos trabalhadores e sem prejuízos para a produtividade. Espanha vai aproveitar o dinheiro vindo do Fundo de Recuperação da União Europeia para um projeto-piloto de três anos para teste da redução dos dias de trabalho. Empresas como a operadora Telefónica anteciparam-se e já estão a experimentar o modelo dos quatro dias de trabalho por semana, ainda que com uma redução de salário para quem aderir. E, no Japão, o governo está a incentivar as empresas a optarem por este novo modelo. Um dos argumentos a favor de decisões políticas favoráveis a este ‘encurtar’ da semana de trabalho está relacionado com a expectativa de que, com mais um dia de descanso, as pessoas acabem por gastar mais e, através deste aumento do consumo, impulsionar a economia.
No que diz respeito ao retorno para os empregadores, funcionários com excesso de trabalho tendem a ser menos produtivos, se se considerar a performance por hora de trabalho. Por outro lado, quando se olha para as estatísticas de produtividade no mundo dito desenvolvido, observa-se que alguns dos países mais produtivos, como a Noruega, a Dinamarca, a Alemanha ou os Países Baixos, trabalham em média muito menos do que em países como Portugal, Espanha, Itália, Reino Unido e muitos outros. Paradigmático é o exemplo do Japão, conhecido pelo excesso de horas de trabalho a que muitos trabalhadores são sujeitos, e que está bastante longe dos lugares de topo no ranking dos países com maior produtividade do mundo.
Para os trabalhadores, uma semana de quatro dias pode representar menos desgaste semanal e um maior equilíbrio entre o trabalho e a vida pessoal, nomeadamente familiar.
Note-se que, apesar de algumas confusões ainda existentes, o objetivo deste tipo de medidas não passa por fazer com que os indivíduos trabalhem nesses quatro dias as horas que trabalhavam numa semana de cinco dias, até porque tal seria contraproducente. O que se espera é que o aumento da satisfação no trabalho, a capacidade de recuperar melhor nos dias de descanso e o menor stress vivido se traduzam em ganhos de produtividade, de empenho e de compromisso com a empresa, traduzindo-se num ganho para trabalhadores e patrões.
Um outro tema ligado à questão das semanas de quatro dias de trabalho está relacionado com o voraz desenvolvimento tecnológico dos últimos anos, nomeadamente em termos de inteligência artificial. Se, por um lado, traz as ferramentas para os tais novos modelos de trabalho, também tende a gerar excedentes de trabalhadores, para os quais há que arranjar soluções. Uma menor carga horária por semana poderá fazer parte da resposta.
E em Portugal?
Por cá, ainda não é claro quando tal medida poderá ser uma realidade. Os críticos das semanas de quatro dias alegam que, dado o défice de produtividade português face a muitos congéneres europeus, reduzir a semana de trabalho significaria comprometer ainda mais qualquer tentativa de reverter este gap. Por outro lado, não é consensual se o efeito sobre a produtividade é forçosamente negativo ou positivo, já que há quem defenda que uma semana mais reduzida pode favorecer uma melhor performance dos trabalhadores nos tais quatro dias de trabalho.
Uma vez que há, por ora, pouco histórico dos resultados deste tipo de soluções, existe um longo caminho ainda a percorrer, nomeadamente para perceber se este será, de facto, um luxo para alguns ou algo que faz sentido em diferentes contextos, caso se confirmem os benefícios de produtividade.