Descomplicar a vida dos contabilistas e reduzir custos de contexto

José Araújo
Contabilista Certificado n.º5. Consultor e Formador.

Com a desmaterialização sucessiva das obrigações declarativas, era expectável que a vida dos contabilistas, e assim também dos contribuintes, fosse descomplicada, tornando mais ágil e menos oneroso o cumprimento das obrigações legais.

Ao longo dos anos, as declarações antes enviadas em suporte de papel passaram a ser enviadas através de aplicações que comunicam ficheiros com dados normalizados e validados antes da submissão, por validadores estruturados pelas diversas entidades (Autoridade Tributária, Segurança Social) e nem sempre disponibilizados aos utentes.

Com a desmaterialização dos processos fiscais e contributivos, em vez de resultar, para os contribuintes, uma redução do tempo e custos de cumprimento, o que se verifica é o agravamento sucessivo da carga burocrática, por via do aumento da quantidade, da frequência e das verificações prévias, em tempo real, das diversas obrigações declarativas, criando assim novos custos de contexto às empresas e aos contribuintes em geral e complicando a vida dos que os representam, os contabilistas.

Mais se agrava, quando não são disponibilizados, previamente, os respetivos validadores dos dados a constarem nas declarações e sejam descontinuadas as aplicações off-line. A disponibilização de tais funcionalidades, por parte dos organismos públicos, permitiriam a estruturação e validação dos dados em ambiente interno, sem assim haver necessidade de acesso ao sistema em tempo real, evitando demoras na validação on-line dos dados constantes nas declarações, que contribuem para reduzir a sobrecarga no uso dos sistemas e que as quebras de comunicação não façam perder dados e tempo de preparação, com gastos muito relevantes em termos de tempo e custos de cumprimento.

Um exemplo prático na possível otimização tem a ver com as obrigações declarativas sobre remunerações. Os dados de base para o cálculo dos impostos e contribuições são os mesmos, ou seja, as diversas componentes remuneratórias processadas, pese embora para cumprimento declarativo sejam usadas aplicações diferentes e comunicação para plataformas distintas, para cada uma das entidades, Autoridade Tributária (AT), Segurança Social (SS) e Fundos de Compensação (FC).

Na fase da preparação dos dados

Apesar dos critérios usados para o cálculo dos impostos e contribuições poderem ser diferentes nalguns casos, bem como as exigências para efeitos declarativos, é possível codificar de forma diferenciada, as respetivas componentes remuneratórias, em função das diferentes necessidades.

Por exemplo:

  • A remuneração base e a diuturnidades é igualmente comunicada e base de tributação para a AT, SS e FC;
  • O subsídio de refeição, na parte isenta para efeitos de IRS, é comunicado à AT, mas não faz parte dos dados comunicados à SS e FC;
  • As bases de tributação dos rendimentos em espécie (caso do uso de viatura) são diferentes para efeitos de cálculo e comunicação à AT e SS, mas não são base para os FC.

Atendendo à dificuldade de harmonizar os diversos códigos tributários e contributivos, a questão pode perfeitamente resolver-se com o uso de codificações distintas, em função das necessidades de cada destinatário, por exemplo:

Com vista ao objetivo de redução dos custos de contexto, para cumprimento de obrigações declarativas, cada entidade (AT, SS e FC), definiria e disponibilizaria os seus códigos, devidamente tipificados, para permitirem o pré-preenchimento e validação da respetiva declaração, apenas com os dados indispensáveis ao respetivo cumprimento.

O contribuinte, ou os contabilistas na maioria dos casos, validariam a informação, antes do envio, com base em validadores disponibilizados pelas entidades, corrigindo off-line, e nas suas bases de dados, os eventuais erros encontrados. Com este procedimento reduziam-se custos de preparação e validação da informação.

 

 

A fase I, interna à entidade, consiste na preparação e validação dos dados, e seria desenvolvida nas seguintes etapas:

  • (1) Recolha dos dados para processamento mensal;
  • (2) Processamento dos dados em programa apropriado;
  • (3) Pré-preenchimento das diversas declarações, após a disponibilização dos formulários pelas respetivas entidades;
  • (4) Verificação dos dados e correção de eventuais erros ou omissões detetadas, com a disponibilização, pelos diversos organismos, dos validadores;
  • ( 5) Geração de dados validados e em condições de serem submetidos às diversas entidades.

Na fase declarativa

Em termos declarativos, para efeitos de comunicação mensal das remunerações às diversas entidades e emissão dos documentos para pagamento das contribuições e impostos, a situação atual é a seguinte:

  • 12 declarações mensais de remunerações para a Autoridade Tributária (AT);
  • 12 declarações mensais para a Segurança Social (SS);
  • 12 guias mensais de pagamento para os Fundos de Compensação (FC);
  • 12 guias mensais de pagamento de retenções de IRS;
  • 12 guias mensais de pagamento das contribuições para a segurança social;
  • 12 guias mensais de pagamento dos fundos de compensação.

Com vista a permitir a redução do tempo necessário para acesso às diversas plataformas (AT, SS e FC), para efeitos de comunicação dos dados e preenchimento das diversas declarações, bem como a emissão dos documentos comprovativos da submissão e dos respetivos documentos de pagamento, seria estruturada uma plataforma única de comunicação com as diversas entidades.

A fase II, com os dados já devidamente validados pelas entidades, seria então acedido o sistema, de uma só vez, com vista à validação dos utilizadores, submissão dos dados, emissão dos comprovativos e obtenção das referências de pagamento, como processo externo, que seria desenvolvido nas seguintes etapas:

  • (6) Acesso à plataforma, com as validações para as diversas entidades;
  • (7) Submissão dos dados previamente validados;
  • (8) Receção e validação dos dados por cada uma das entidades destinatárias;
  • (9) Emissão dos respetivos comprovativos de submissão, por cada uma das entidades;
  • (10) Disponibilização das respetivas referências de pagamento.

 

 

Como resultado desta harmonização, com a salvaguarda da confidencialidade dos dados enviados para cada uma das entidades, gera-se uma significativa poupança de tempo e custos relativos à simplificação de acessos, validações e submissões, ou seja:

  • 12 declarações mensais de remunerações e respetivas referências de pagamento.

Para o sucesso desta iniciativa, a plataforma teria de ser harmonizada para poder ser acedida pelas três entidades (AT, SS, FC), permitindo ao contribuinte, ou ao contabilista em sua representação, num único acesso, a comunicação dos dados, a emissão dos respetivos comprovativos e referências para pagamento num único documento.

Desta forma estaríamos a desburocratizar os processos e a reduzir os custos de contexto que as entidades, e os contabilistas, têm de suportar para cumprir as suas obrigações legais.

É possível? Sim, mas exige uma intenção assumida destas entidades em desenvolverem estes procedimentos, numa ótica de investimento por parte de quem mais beneficia que é o Estado. Já foram, aliás, anunciados investimentos para a modernização administrativa dos serviços públicos, que devem, naturalmente, ter em conta os ganhos de eficiência que se podem transportar para os contribuintes.

Quem ganharia com esta funcionalidade? Todos. O Estado porque receberia a informação necessária ao controlo e verificação declarativa harmonizada, as empresas porque reduziriam os custos de contexto e os contabilistas porque descomplicavam a sua vida profissional.

Quem perde? Ninguém.

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