O digital já chegou ao mundo da moda e está para ficar
Nesta tentativa de replicar a vida real através dos dispositivos digitais, num mundo virtual a que se dá o nome de metaverso, a moda está a aparecer como algo que naturalmente ‘serve’ as necessidades das novas identidades.
O que têm o mundo da moda e o digital em comum? O elo de ligação não é propriamente óbvio, mas existe. Cada vez mais.
O setor da moda, e em particular as marcas de luxo, têm vindo a perceber que também podem tirar partido do digital. Com os ambientes digitais a amadurecerem, seja no gaming, nas redes sociais, na inteligência artificial ou noutros formatos, os players desta área de negócio começam a identificar oportunidades para captar fluxos de valor em mercados por explorar. São espaços multidimensionais e virtuais onde a criatividade, a construção de comunidades e o comércio em seu redor vão crescendo a cada dia que passa.
A necessidade de se começar a dar mais atenção ao digital enquanto fonte adicional de receita não surge por acaso. Basta pensarmos que se estima que os chamados ‘nativos digitais’, que fazem parte da Geração ‘Z’, passam, em média, oito horas por dia à frente dos ecrãs. No mundo virtual, estas novas gerações encontram uma oportunidade de socializar, de fazer parte de comunidades, de se envolverem, de trabalhar, de se divertirem e… de fazer compras.
Nesta tentativa de replicar a vida real através dos dispositivos digitais, num mundo virtual a que se dá o nome de metaverso, a moda está a aparecer como algo que naturalmente ‘serve’ as necessidades das novas identidades deste universo paralelo.
Até porque falamos de públicos particularmente atentos a experiências novas. A moda digital surge assim como uma oportunidade acrescida de ter momentos imersivos – neste caso de consumo – junto de potenciais compradores. Mais do que isso, cada vez mais indivíduos encaram o mundo digital como um novo plano em que se podem expressar através da sua persona virtual ou dos produtos virtuais que adquirem.
A aposta no gaming
O caso mais evidente é talvez o do gaming, que tem sido o principal alvo do setor da moda. A colaboração entre plataformas de jogos e marcas têm vindo a acontecer e permite promover a notoriedade das marcas junto de novos públicos, sobretudo os consumidores mais jovens.
Um exemplo deste tipo de parceria é o acordo que foi feito entre o popular jogo online Fortnite – que conta com cerca de 83 milhões de utilizadores por mês – e marcas como a Balenciaga, Moncler, Ralph Lauren ou mesmo a Gucci que criam coleções digitais para os personagens usarem durante os jogos. O resultado é a monetização de ativos digitais e, em paralelo, a potencial atração de novos públicos para a compra de roupas em formato físico – que é como quem diz real -, nomeadamente graças à criação de um ‘buzz’ em torno dessas marcas.
O interesse das marcas por esta área é fácil de perceber: espera-se que, até 2024, a indústria global de jogos chegue até aos 219 mil milhões de dólares (mais de 200 mil milhões de euros).
Além das redes sociais e dos jogos, a inteligência artificial e a realidade aumentada apresentam oportunidades adicionais de novos modelos de negócios para a moda virtual. Veja-se o caso dos ‘Non-fungible token’ (NFT), itens digitais não fungíveis exclusivos que oferecem prova de propriedade sobre um ativo, o que permite negociá-los com segurança e transparência. As marcas de luxo estão a investir ativamente em explorar este mundo, procurando formas de introduzir NFTs nas suas linhas de produtos. Seja, por exemplo, em roupas virtuais que os clientes podem usar em ambientes virtuais, em conteúdo digital com o qual os seus proprietários podem interagir ou em ‘clones’ digitais de criações físicas.
Em prol da sustentabilidade
Até sob o ponto de vista da sustentabilidade, esta entrada da moda no mundo digital pode ser vista como pertinente por muitos, nomeadamente pelos consumidores da Geração Z. Estes indivíduos veem cada vez mais no consumo uma arma para exercerem o seu ativismo e fazer valer os seus argumentos.
A maioria é claramente a favor de estilos de vida saudáveis, como parte integrante da luta contra as alterações climáticas. É por isso que, também na escolha das marcas que compram procuram que estas pratiquem uma moda sustentável. Ora, nada mais sustentável do que um guarda-roupa digital. Seja no gaming, seja nas redes sociais, as marcas que oferecem estas soluções estão a ajudar quem quer construir ‘personas’ digitais de uma forma muito mais sustentável.
No fundo, este tipo de abordagem surge quase como um prolongamento para o digital de uma tendência recente no mundo da moda. Por oposição à ‘fast fashion’, que explodiu a partir dos anos 90 do século passado, os produtores de moda, os fabricantes e os fornecedores começam a regressar a modelos de negócio mais responsáveis.
Embora seja um conceito ainda muito novo, a moda digital está a crescer e começam a existir marcas unicamente digitais, enquanto outras veem no digital uma oportunidade de expansão do negócio para além das lojas e produtos físicos. Por ora, é nas marcas de luxo e na ‘streetwear’ que esta tem maior expressão.
Apesar do entusiasmo em torno deste tão diferente mundo, alguns cuidados devem ser tidos, precisamente por ser algo ainda em desenvolvimento. Uma das preocupações pode ser o contexto das tecnologias blockchain que estão na base dos NFT. A cibersegurança também exige cuidado por forma a prevenir questões que ponham em causa a proteção de dados e a segurança dos utilizadores.
Tendo presentes as cautelas a ter, trata-se de uma área em rápido crescimento e pleno de oportunidades. Representará ou não uma verdadeira mudança de paradigma? É porventura cedo para sabermos.