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Sejamos claros: Não há ​”férias fiscais​”

Era grande a expetativa com a discussão parlamentar [1] acerca do necessário e fundamental equilíbrio entre os poderes da administração tributária e os contribuintes, que se vem degradando consideravelmente, ao longo dos anos, a favor da administração tributária, e em prejuízo grave dos contribuintes, sobretudo os geralmente cumpridores. A discussão a propósito da proposta de Lei [2], com o objetivo de “Reforçar as garantias dos contribuintes e a simplificação processual”, implicou muitas negociações e obteve votações surpreendentes. Contudo, a Lei [3] que lhe deu corpo ficou muito aquém das necessidades, sobretudo para a defesa dos legítimos direitos e interesses dos Contabilistas Certificados, enquanto representantes dos contribuintes, singulares e coletivos. Ficou muito longe de ser um marco relevante para os profissionais.

Uma grande reconquista foi, sem dúvida, a reposição da condição de violação “dolosa” dos deveres dos contabilistas certificados para que seja possível o uso, por parte da Autoridade Tributária, do mecanismo da reversão, para com estes, no que respeita à responsabilidade subsidiária tributária [4]. Surpreendentemente, ou não, do Governo não surgiu nenhuma proposta neste sentido, e do grupo parlamentar do PS foi apresentada a proposta de introduzir a expressão “culposa” [5], que é muito diferente do pretendido. Ou seja, para a configuração do crime culposo não basta a ocorrência da conduta, é necessário que haja expressa previsão legal tipificando o crime culposo. Seria, assim, ainda necessário proceder á sua regulamentação, senão seria uma medida ineficaz.

A reintrodução da expressão “dolosa” [6], que havia sido suprimida em 2006, com a aprovação do OE para 2006 [7], surge das propostas do PCP, do PSD e do CDS-PP, que veio a ser aprovada, com o voto contra do PS.

O caso da flexibilização das obrigações fiscais em agosto – uma oportunidade perdida

No que respeita às propaladas “férias fiscais”, nem a legislação assim o apelida, mas, em vez disso, trata-se de um “Diferimento e suspensão extraordinários de prazos” [8], que prevê que “as obrigações tributárias cujo prazo termine no decurso do mês de agosto podem ser cumpridas até ao último dia desse mês, independentemente de ser útil, sem quaisquer acréscimos ou penalidades [9]”. Na prática, esta medida, que ajuda, mas não resolve a questão fundamental, permite uma melhor gestão dos prazos fiscais durante o mês de agosto, mas não se trata efetivamente de férias. Por outro lado, é importante salientar que este dispositivo não se aplica nem a obrigações contributivas, nem para os fundos de compensação, cujos prazos se mantém.

Férias, talvez resultem do previsto no mesmo artigo [10], quando prevê que “São suspensos os prazos relativos ao procedimento de inspeção tributária durante o mês de agosto, para efeitos do artigo 36.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira”. Isto é, em agosto não há procedimentos de inspeções tributárias, por parte de quem tem a obrigação de promover as devidas diligências.

Foi uma oportunidade perdida para os profissionais, o facto de não se ter conseguido impor a proposta do PCP, que a este propósito previa que “Os prazos para a prática de atos no procedimento tributário e cumprimento das obrigações declarativas são suspensos de 15 de agosto a 15 de setembro de cada ano civil.” [11], isto sim, concorde-se, ou não, com as datas, tratava-se efetivamente de férias.

As coimas

Outro aspeto positivo, a ter em consideração, foi a alteração provocada ao Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), a favor do contribuinte, quanto à dispensa de coimas [12], quando se prevê que “não é igualmente aplicada coima, desde que se verifiquem cumulativamente as seguintes circunstâncias:

a) A prática da infração não ocasione prejuízo efetivo à receita tributária;

b) Estar regularizada a falta cometida.

Contudo, é preciso notar que “a dispensa de coima prevista, deve ser requerida no prazo concedido para a defesa, devendo a falta cometida ser regularizada até ao termo daquele prazo.”

Esta era uma situação há muito reclamada pelos próprios contabilistas, uma vez que passa a enquadrar as faltas meramente declarativas.

A este propósito, é importante analisar a evolução da previsão de cobrança de coimas e penalidades por contraordenações, ao longo destes últimos anos, sempre acima dos 200 milhões de euros:

COIMAS E PENALIDADES POR CONTRAORDENAÇÕES (Rubrica Orçamental de Receita) Em Euros (€)
OE 2021 OE 2020 Supl OE 2020 OE 2019 OE 2018
Lei n.º 75-B/2020 Lei n.º 27-A/2020 Lei n.º 2/2020 Lei n.º 71/2018 Lei n.º 114/2017
210.994.531 202.263.223 202.263.223 215.731.655 220.618.358

Se analisarmos agora a evolução desta rubrica, desde o ano de 2000, em saltos de 5 anos, obtemos o seguinte resultado:

OE 2000 OE 2005 OE 2010 OE 2015 OE 2020
Lei n.º 3-B/2000 Lei n.º 55-B/2004 Lei n.º 3-B/2010 Lei n.º 82-B/2014 Lei n.º 2/2020
9.336.368 63.086.467 133.331.213 146.577.787 202.263.223

Esta rubrica evoluiu, em 20 anos, de 9 para 200 milhões de euros, a preços constantes. Será então de concluir que os portugueses se tornaram incumpridores generalizados das suas obrigações fiscais?

A par desta evolução, é preciso analisar o aumento exponencial de obrigações declarativas, neste período de tempo, que arrastam novas penalidades e assim novas “fontes de receita”.

Alguns exemplos de coima aplicáveis, a ter em conta e previstas no RGIT:

Para efeitos contraordenacionais são puníveis como falta de entrega da prestação tributária:

  • A falta de liquidação, liquidação inferior à devida ou liquidação indevida de imposto em fatura ou documento equivalente, a falta de entrega, total ou parcial, ao credor tributário do imposto devido que tenha sido liquidado ou que devesse ter sido liquidado em fatura ou documento equivalente, ou a sua menção, dedução ou retificação sem observância dos termos legais;
  • A falta de pedido de liquidação do imposto que deva preceder a alienação ou aquisição de bens;
  • A falta de pedido de liquidação do imposto que deva ter lugar em prazo posterior à aquisição de bens;
  • A alienação de quaisquer bens ou o pedido de levantamento, registo, depósito ou pagamento de valores ou títulos que devam ser precedidos do pagamento de impostos;
  • A falta de liquidação, do pagamento ou da entrega nos cofres do Estado do imposto que recaia autonomamente sobre documentos, livros, papéis e atos;
  • A falta de pagamento, total ou parcial, da prestação tributária devida a título de pagamento por conta do imposto devido a final, incluindo as situações de pagamento especial por conta.

[1] Assembleia da República – Proposta de Lei 43/XIV/1
[2] Proposta de Lei n.º 43/XIV/1.ª (GOV)
[3] Lei n.º 7/2021, de 26 de fevereiro
[4] Art. 24.º, n.º 3, da LGT
[5] Para a configuração do tipo culposo é necessária a existência de uma conduta que possa ser classificada como negligência, imprudência ou imperícia.
[6] “Configura-se um crime doloso quando se realiza uma determinada conduta com a intenção de atingir um determinado resultado, vale dizer, quando o agente tem a intenção de cometer o delito.”
[7] Lei n.º 60-A/2005, de 30 de dezembro
[8] Artigo 57.º -A, da LGT, aditado pela Lei n.º 7/2021, de 26 de fevereiro
[9] N.º 1 do art. 57.º – A da LGT;
[10] N.º 3 do art. 57.º-A da LGT
[11] Proposta do Grupo Parlamentar do PCP para aditar um n.º 3 ao art.º 20.º – Contagem dos prazos, do CPPT
[12] N.º 2 do Art. 29.º do RGIT, alterado pela Lei n.º 7/2021, de 26 de fevereiro