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Suprimentos e prestações suplementares – Considerações contabilísticas e obrigações fiscais

Tendo em consideração o fato de cerca de 96% das empresas portuguesas serem classificadas como microentidades, os gerentes são também, em grande parte das situações, os sócios, o que pode dificultar a distinção de duas figuras jurídicas autónomas, com responsabilidades e direitos diferentes.

Tendo em consideração o fato de cerca de 96% das empresas portuguesas serem classificadas como microentidades, os gerentes são também, em grande parte das situações, os sócios, o que pode dificultar a distinção de duas figuras jurídicas autónomas, com responsabilidades e direitos diferentes. Daí a figura muito usada de sócio-gerente.

Contudo, é importante relevar que o gerente não entrega suprimentos à sociedade nem prestações suplementares. A relação financeira do gerente com a sociedade, para com a qual tem os deveres de cuidado e lealdade[1], sob a responsabilidade de responderem pelos danos causados por atos ou omissões[2] praticados com preterição dos deveres legais ou contratuais, em que estes têm o poder de gerir e representar a sociedade nos seus atos[3], é, quando tal aconteça, no âmbito da atividade corrente da sociedade. O pagamento de despesas por conta da empresa e os adiantamentos recebidos por conta dessas despesas, são de considerar operações com outros devedores e credores (27.8 – Outros devedores e credores).

Os suprimentos

As entregas de dinheiro, ou outra coisa fungível (são fungíveis as coisas que se determinam pelo seu género, qualidade e quantidade, quando constituam objeto de relações jurídicas[4]), pelos sócios, à sociedade, a título de empréstimo, com carácter de permanência (prazo de reembolso superior a um ano), sob contrato que não depende de forma especial nem de prévia deliberação dos sócios, salvo disposição contratual em contrário, consideram-se operações financeiras de gestão corrente da sociedade[5].

Tais entregas, pelos sócios às sociedades, são de registar em subconta apropriada da conta 26.8 – Acionistas/sócios – Outras operações.

Não tendo sido estipulado prazo para o reembolso dos suprimentos, e não havendo acordo para o cumprimento da obrigação, este será definido pelo tribunal[6].

Decretada a falência ou dissolvida por qualquer causa a sociedade[7], os suprimentos só podem ser reembolsados aos seus credores depois de inteiramente satisfeitas as dívidas daquela para com terceiros e não é admissível compensação de créditos da sociedade com créditos de suprimentos.

As prestações suplementares, para as sociedades por quotas

No caso das prestações suplementares, que têm sempre dinheiro por objeto, quer as chamadas, quer a sua restituição, já dependem do consentimento dos sócios[8], e devem estar previstas no contrato de sociedade. 

Podem os sócios, em qualquer tipo de sociedade, tomar deliberações unânimes por escrito, e bem assim reunir-se em assembleia geral, sem observância de formalidades prévias, desde que todos estejam presentes e todos manifestem a vontade de que a assembleia se constitua e delibere sobre determinado assunto[9]. As deliberações dos sócios só podem ser provadas pelas atas das assembleias ou, quando sejam admitidas deliberações por escrito, pelos documentos donde elas constem[10].

O contrato de sociedade pode impor a todos ou a alguns sócios a obrigação de efetuarem prestações além das entradas, que não vencem juros. Na decisão da assembleia geral da sociedade, devem ser fixados os elementos essenciais desta obrigação e especificado se as prestações devem ser efetuadas onerosa ou gratuitamente[11], nomeadamente[12]:

  1. O montante global das prestações suplementares;
  2. Os sócios que ficam obrigados a efetuar tais prestações;
  3. O critério de repartição das prestações suplementares entre os sócios a elas obrigados.

As prestações suplementares só podem ser restituídas[13] aos sócios, após deliberação em assembleia da sociedade, desde que a situação líquida não fique inferior à soma do capital e da reserva legal e se o respetivo sócio já tenha liberado a sua quota, não podendo ser restituídas depois de declarada a falência da sociedade.

As entregas dos sócios a título de prestações suplementares são de registar na conta 53 – Outros instrumentos de capital próprio.

Imposto de selo

Os financiamentos atribuídos pelos sócios às sociedades, sejam por via dos suprimentos ou por prestações suplementares, são operações sujeitas a imposto do selo, e, como tal, enquadráveis nas obrigações declarativas, relativas a este imposto, nomeadamente, a Declaração Mensal de Imposto de Selo (DMIS), para o mês em que seja entregue o empréstimo, pelo sócio à sociedade. 

Contudo, podem aproveitar das isenções previstas no respetivo código, nomeadamente[14]:

  • Os empréstimos com características de suprimentos, incluindo os respetivos juros, quando realizados por detentores de capital social a entidades nas quais detenham diretamente uma participação no capital não inferior a 10 % e desde que esta tenha permanecido na sua titularidade durante um ano consecutivo ou desde a constituição da entidade participada, contando que, neste caso, a participação seja mantida durante aquele período.

Neste caso, deverá a empresa, enquanto sujeito passivo do imposto[15], suportando também o imposto que for devido, por ser o utilizados do crédito[16], preencher e entregar a DMIS, indicando no [quadro 4] e no campo [05 – código de isenção] o código 12 e assim sem liquidação de imposto, apenas mencionando no campo [07] o montante do financiamento. 

Caso a concessão do empréstimo não respeite as condições previstas para a isenção anteriormente indicada, nomeadamente por ter sido o seu reembolso efetuado antes de decorrido o prazo de um ano, a operação é sujeita, e não isento, à taxa de 0,04%, por cada mês de empréstimo [17.1.1 – Crédito de prazo inferior a um ano – por cada mês ou fração].

Sujeição a IRS

Há lugar a uma avaliação indireta da matéria coletável quando o rendimento líquido declarado mostre uma desproporção superior a 30 %, para menos, em relação ao rendimento padrão, que no caso dos suprimentos e empréstimos efetuados pelo sócio à sociedade, no ano em causa, ou por qualquer elemento do seu agregado familiar, de valor igual ou superior a € 50.000, o rendimento padrão corresponde a 50% do valor anual, podendo assim serem considerados rendimentos sujeitos a IRS, na categoria G – Incrementos patrimoniais[17], por remissão para a lei geral tributária[18].


[1] Artigo 64.º – deveres fundamentais, do Código das Sociedades Comerciais (CSC)

[2] Artigo 72.º – Responsabilidade de membros da administração para com a sociedade, do CSC

[3] Artigo 259.º – Competência da gerência, do CSC

[4] Artigo 207.º – Coisas fungíveis, do Código Civil (CC)

[5] Artigo 243.º – Contrato de suprimento, do CSC

[6] Artigo 777.º, n.º 2, do Código Civil

[7] Artigo 245.º – Regime do contrato de suprimento, do CSC

[8] Artigo 246.º – Competências dos sócios, n.º 1, alínea a), do CSC

[9] Artigo 54.º – Deliberações unânimes e assembleias universais, do CSC

[10] Artigo 63.º – Atas, do CSC

[11] Artigo 209.º – Obrigações de prestações acessórias, do CSC

[12] Artigo 210.º – Obrigações de prestações suplementares, do CSC

[13] Artigo 213.º – Restituição das prestações suplementares, do CSC

[14] Artigo 7.º – Outras isenções, n.º 1, alínea i), do Código do Imposto de Selo (CIS)

[15] Artigo 2.º – Incidência subjetiva, n.º 1, alínea d), do CIS

[16] Artigo 3.º – Encargo do imposto, n.º 3, alínea f), do CIS. 

[17] Artigo 9.º – Rendimentos da categoria G, n.º 3, do Código do Imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (CIRS)

[18] Artigo 89.º – A – Manifestações de fortuna e outros acréscimos patrimoniais não justificados, n.º 5, da Lei Geral Tributária (LGT)