Estratégia, Legal e Processos

Caixa e depósitos à ordem – Considerações contabilísticas

Com a evolução natural dos meios de pagamento eletrónicos, os recebimentos e os pagamentos em dinheiro tendem a diminuir a sua relevância, sobretudo nas transações entre empresas (B2B).

Com a evolução natural dos meios de pagamento eletrónicos, os recebimentos e os pagamentos em dinheiro tendem a diminuir a sua relevância, sobretudo nas transações entre empresas (B2B).

Contudo, num estudo realizado em 2022 e recentemente publicado pelo Banco Central Europeu[1], conclui-se que:

  • pagamento em dinheiro continua a ser o método mais utilizado pelos cidadãos europeus nos pontos de venda, representando 59% das transações, pese embora em 2019 representavam 72%;
  • Os pagamentos com cartões eletrónicos foram usados em 34% das transações, quando em 2019 representavam 25%;
  • Em termos de valores transacionados, os cartões representaram 46%, enquanto os pagamentos em dinheiro representaram 42%. Em 2019, os pagamentos com cartões representaram 43% e em dinheiro foram de 47%.


Há de facto uma alteração dos hábitos no método de pagamento, mas o dinheiro continua a ser o meio de pagamento preferido dos consumidores. Acresce ainda que 37% dos consumidores europeus mantém reservas de dinheiro em casa ou em conta bancária.

Por esse facto, a contabilidade regista os recebimentos, pelas empresas, que sejam realizados em dinheiro, na respetiva conta caixa, seguindo-se depois o necessário depósito bancário, ou o pagamento de despesas. Por isso, a conta caixa não pode apresentar, na contabilidade, saldo credor, porque representaria terem sido efetuados pagamentos em dinheiro por quantias superiores às suas disponibilidades, o que não é possível.

Note-se ainda que a conta caixa (11), pertence à classe 1 – Meios financeiros Líquidos, do quadro de contas[2] do Sistema de Normalização Contabilística (SNC), onde devem ser registados os pagamentos e recebimentos em numerário, representando o seu saldo a quantia em notas e moedas correntes na posse da empresa, cuja contagem física no final do exercício económico é imprescindível.

Por essa razão, a conta 11 – caixa, não deve registar outras transações que não sejam em dinheiro (notas e moedas). Quando a empresa assume pagamentos ou recebimentos que não sejam efetuados através de conta bancária, 12 – Depósitos à Ordem, nem representem entrada e saída de dinheiro físico, 11 – Caixa, não devem aqui serem registados.

A conta caixa não pode ser usada para refletir transações de pagamento e recebimento não identificadas. Se há dúvidas quanto à origem ou destino desses recebimentos ou pagamentos, deverá ser questionada a gerência da sociedade, e até que sejam esclarecidos, registados em conta apropriada de terceiros e em nome desses gerentes (278 – Outros devedores e credores). 

Assim se evitam situações inexplicáveis de saldos credores de caixa, ou de saldos devedores muito elevados, que não correspondam a notas e moedas correntes. Além de irregulares, retiram credibilidade a qualquer empresa que apresente contas a utentes externos.

Exigência de conta bancária e pagamentos em numerário

Por outro lado, os sujeitos passivos de IRC, bem como os sujeitos passivos de IRS que disponham ou devam dispor de contabilidade organizada, estão obrigados a possuir, pelo menos, uma conta bancária através da qual devem ser, exclusivamente, movimentados os pagamentos e recebimentos respeitantes à atividade empresarial desenvolvida[3]. É proibido[4] pagar ou receber em numerário em transações de qualquer natureza que envolvam montantes iguais ou superiores a 3.000 €, ou o seu equivalente em moeda estrangeira. Caso se trate de faturas ou documentos equivalentes de valor igual ou superior a  1.000 €[5], ou o seu equivalente em moeda estrangeira, devem ser efetuados através de meio de pagamento que permita a identificação do respetivo destinatário, designadamente transferência bancária, cheque nominativo ou débito direto. É ainda proibido o pagamento em numerário de impostos cujo montante exceda 500 €[6].

Penalidades associadas

Para além das penalidades que possam resultar de leis especiais de branqueamento de capitais e combate ao terrorismo, encontram-se previstas no Regime Geral das Infrações Tributárias[7] (RGIT) as seguintes penalidades:

  • A falta de conta bancária nos casos legalmente previstos – coima de 270 € a 27.000 €;
  • A falta de realização através de conta bancária de movimentos nos casos legalmente previstos – coima de 180 € a 4.500 €; e 
  • A realização de transações em numerário que excedam os limites legalmente previstos – coima de 180 € a 4.500[8].

Procedimentos de final de ano económico

No final do exercício económico, e para efeitos de prestação de contas, as empresas devem assegurar as adequadas contagens físicas de numerário em caixa e do saldo de caixa não deverão fazer parte:

  • Vales” de adiantamento – deverão constar em rubrica adequada de conta do pessoal;
  • Cheques pré-datados ou cheques devolvidos, que deverão ser transferidos para contas adequadas;
  • Documentos justificativos de despesas efetuadas – dependendo do sistema de caixa, deverão ser regularizados para as contas respetivas.

Deverão ainda promover diligências para assegurar que:

  • Todas as caixas e contas em bancos[9] estão devidamente registadas na contabilidade;
  • Os movimentos em caixa e bancos estão devidamente identificados e registados;
  • As quantias registadas na contabilidade correspondem aos extratos de bancos e folhas de caixa;
  • As contas existem à data de referência;
  • Foram efetuadas as reconciliações à data de referência;
  • Os movimentos de reconciliação são apenas transitórios, estando regularizados em contas apropriadas os restantes;
  • Os saldos negativos de bancos (descobertos bancários) estão devidamente registados no passivo (financiamentos);
  • As quantias ativas, os descobertos e as aplicações correspondem a direitos e obrigações da empresa e estão suportados por documentação vinculativa (ex: contratos).

[1] https://www.ecb.europa.eu/stats/ecb_surveys/space/html/ecb.spacereport202212~783ffdf46e.pt.html

[2] Portaria n.º 218/2015, de 23 de julho

[3] Artigo 63.º-C, n.º 1, da Lei Geral Tributária (LGT)

[4] Artigo 63.º-E, n.º 1, da LGT

[5] Artigo 63.º-E, n.º 2, da LGT

[6] Artigo 63.º-E, n.º 5, da LGT

[7] Artigo 129.º do RGIT

[8] Salvo se constituir contraordenação praticada por entidade obrigada nos termos da legislação aplicável em matéria de prevenção e combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo

[9] Central de Responsabilidades de Crédito (Banco de Portugal): https://www.bportugal.pt/area-cidadao/formulario/227