Contabilização das gratificações de balanço e seus efeitos fiscais e contributivos.
Com vista a compensar os colaboradores pela perda de poder de compra, várias têm sido as notícias da atribuição, por parte das empresas, de benefícios excecionais aos seus empregados.
Tais benefícios incluem as gratificações de balanço, que consistem na decisão, da Assembleia Geral das sociedades, em atribuir, aos empregados (incluindo os gerentes ou administradores), parte dos resultados positivos apurados pelas empresas, e disponíveis para distribuição.
Os resultados podem ser os apurados no exercício, ou os retidos de exercícios anteriores e que se encontrem disponíveis para distribuição em reservas ou em resultados transitados.
Do ponto de vista contabilístico, e embora existam diversos normativos aplicáveis, atendendo à dimensão das empresas, os benefícios dos empregados são tratados da mesma forma, independentemente de se tratar de microentidades[1], pequenas entidades[2] ou entidades sujeitas ao regime geral do SNC[3].
Uma entidade deve reconhecer o custo esperado dos pagamentos de participação nos lucros e gratificações quando, e só quando:
- A entidade tenha uma obrigação presente de fazer tais pagamentos em consequência de acontecimentos passados; e
- Possa ser feita uma estimativa fiável da obrigação.
Uma obrigação por participação nos lucros e gratificações resulta do serviço dos empregados e não de uma transação com os proprietários da entidade. Por conseguinte, uma entidade reconhece o custo por essa participação nos lucros e gratificações não como uma distribuição do lucro líquido, mas como um gasto.
Assim, será necessário constituir a obrigação construtiva para a empresa, por exemplo por decisão da gerência, que depois deverá ser confirmada na Assembleia Geral de deliberação sobre a aplicação dos resultados do período ou de reservas de períodos anteriores, e assim ser considerado gasto no período a que os resultados digam respeito e não somente no ano seguinte, com a deliberação da Assembleia Geral de aprovação das contas.
Para feitos de registo, e com a decisão que gera a obrigação construtiva, a empresa procede ao reconhecimento da obrigação no passivo, como acréscimo de gastos, pela melhor estimativa, e o correspondente gasto no período e, no ano seguinte, com o processamento, o registo em dívidas ao pessoal por regularização dos acréscimos de gasto, e com o pagamento, a extinção da obrigação, ou seja:
- Pelo reconhecimento da obrigação (ano de constituição da obrigação)
D 63 – Gastos com o pessoal
C 27.2.2 – Credores por acréscimos de gastos
2. Pelo processamento da obrigação
D 27.2.2 – Credores por acréscimos de gastos
C 23.1 – Remunerações a pagar
3. Pelo pagamento
D 23.1 – Remunerações a pagar
C 12 – Depósitos à ordem
Efeitos fiscais em sede de IRC
Os gastos relativos à participação nos lucros por membros de órgãos sociais e trabalhadores da empresa, são considerados gastos do período para efeitos de IRC, desde que as respetivas importâncias sejam pagas ou colocadas à disposição dos beneficiários até ao fim do período de tributação seguinte[4].
Para este caso, não se aplica o conceito de generalidade dos trabalhadores, ou seja, não é obrigatório que a atribuição seja efetuada de igual forma por todos os colaboradores, no entanto, deverá existir um plano formal de distribuição da participação nos lucros.
O pagamento poderá ser efetuado de uma só vez, ou de forma faseada ao longo do ano.
Caso se trate de gastos relativos à participação nos lucros por membros de órgãos sociais, e quando os beneficiários sejam titulares, direta ou indiretamente, de partes representativas de, pelo menos, 1 % do capital social, só será aceite como gasto a quantia que não exceda o dobro da remuneração mensal auferida no período de tributação a que respeita o resultado em que participam[5], segundo a fórmula: Rendimento Anual /12 x 2.
Por exemplo:
Foi decidido pela Gerência, em 15/12/2022, que a Assembleia-Geral realizada em 20/02/2023, ratificou, a atribuição gratificações de balanço aos órgãos sociais e restante pessoal nas seguintes condições:
- Gerente: €30.000 (o gerente é sócio maioritário da sociedade e aufere um rendimento médio mensal de € 3.200); e
- Ao pessoal: € 50.000;
Pese embora para o pessoal não existam limitações, desde que pagas ou colocadas à disposição até ao final do exercício seguinte a que respeitam, contudo, os gastos relativos à participação nos lucros por membros de órgãos sociais, quando os beneficiários sejam titulares, direta ou indiretamente, de partes representativas de, pelo menos, 1 % do capital social, são de acrescer ao resultado tributável na parte em que exceda o dobro da remuneração média mensal auferida no período de tributação a que respeita o resultado em que participam.
Assim, seria de acrescer € 23.600, no campo [735] do quadro 7 da modelo 22, correspondente ao seguinte cálculo: 30.000 – (2×3.200).
No caso de a empresa não pagar as quantias no prazo estipulado, deverá adicionar ao valor do IRC relativamente ao período de tributação seguinte a quantia que deixou de ser liquidada no campo [363] do quadro 10 da Modelo 22, bem como a Derrama Estadual, se aplicável, em resultado da dedução das importâncias que não tenham sido pagas ou colocadas à disposição dos interessados, acrescido dos juros compensatórios correspondentes[6] no campo [366] do quadro 10 da Modelo 22, bem como a respetiva derrama municipal no campo [364] do quadro 10 da Modelo 22, se aplicável.
Não sujeição à taxa contributiva
O Código Contributivo considera como integrante da base de incidência contributiva os montantes atribuídos aos trabalhadores a título de participação nos lucros da empresa, desde que ao trabalhador não esteja assegurada pelo contrato uma remuneração certa, variável ou mista adequada ao seu trabalho[7], uma vez que se consideram remunerações as prestações pecuniárias ou em espécie que nos termos do contrato de trabalho, das normas que o regem ou dos usos são devidas pelas entidades empregadoras aos trabalhadores como contrapartida do seu trabalho[8]. Contudo, esta disposição só entra em vigor quando for regulamentada[9] , o que ainda não aconteceu.
Sujeição a IRS
As gratificações de balanço são tributadas em sede de IRS e sujeita a retenção na fonte. Não tem aplicação a taxa especial de 10%[10] , uma vez que se trata da entidade patronal quem atribui tais gratificações.
[1] § 18 do Aviso n.º 8255/2015
[2] § 18 do Aviso n.º 8257/2015
[3] NCRF 28 do Aviso n.º 8256/2015
[4] Artigo 23.º – A, n.º 1, alínea n), do CIRC
[5] Artigo 23.º, n.º 1, alínea o), do CIRC
[6] Artigo 23.º – A, n.º 5, do CIRC
[7] Artigo 46.º, n.º 2, alínea r) do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social (CRCSPSS)
[8] Artigo 46.º, n.º 1, do CRCSPSS
[9] Nos termos dos artigos 4.º e 6.º da Lei n.º 110/2009, de 16 de setembro, na redação dada pela Lei n.º 93/2019, de 4 de setembro
[10] Artigo 72.º, n.º 7, do CIRS