Estratégia, Legal e Processos

Ativos fixos tangíveis: considerações contabilísticas e fiscais sobre o valor residual e a vida útil

Quando as empresas precisam de apresentar capitais próprios relevantes para efeitos de financiamento, um tema recorrente tem a ver com as reservas ocultas que se encontram nos ativos fixos tangíveis, sobretudo motivadas pela excessiva prudência na política de depreciações. Depois, quando os ativos já se encontram totalmente depreciados, pretende-se repor valor, o que já não é possível. A solução está no início, e não no fim da vida útil.

Na contabilização dos ativos fixos tangíveis, qualquer que seja o modelo aplicável (Microentidades, Pequenas Entidades, Regime geral ou Entidades do Setor Não Lucrativo), um assunto pouco debatido nas entidades, mas relevante, prende-se com a determinação do valor residual e das vidas úteis dos diversos ativos fixos tangíveis.

Após o reconhecimento e a mensuração inicial dos ativos, é necessário depois, para efeitos de mensuração subsequente, determinar a quantia depreciável, sendo esta definida como “o custo de um ativo ou outra quantia substituta do custo, menos o seu valor residual[1]”. Por sua vez o valor residual é “a quantia estimada que uma entidade obteria correntemente pela alienação de um ativo, após dedução dos custos de alienação estimados, se o ativo já tivesse a idade e as condições esperadas no final da sua vida útil[2]”, sendo, por isso, determinado por estimativa.

A determinação do valor residual

Não existem regras específicas para a determinação do valor residual, pelo que cada empresa deverá fazer o uso da melhor estimativa, caso considere a existência de um valor de recuperação pela venda, após a utilização do ativo no tempo estimado ao serviço da empresa.

Nos casos de equipamentos informáticos ou de escritório, será mais difícil realizar tal estimativa, pelo que, nesses casos, será mais prudente considerar o valor zero.

Para o caso das viaturas e edifícios, podem ser usadas uma variedade de fontes de informação, nomeadamente os sítios de venda de usados, para viaturas com as condições esperadas de uso no final da vida útil determinada pela empresa, e para os edifícios em condições semelhantes.

Ainda para o caso das viaturas, poderá também ser usado como referencial o critério de determinação dos rendimentos em espécie, para efeitos de IRS[3]:

Assim, uma viatura que a empresa estima ser usada por 4 anos, pode ser assumido um valor residual correspondente a 45% do valor de aquisição, uma vez que é considerada uma desvalorização acumulada de 55%.

Por exemplo:

Caso a empresa adquirisse uma viatura por 20.000, para um uso pretendido em 4 anos, o valor residual estimado seria de 9.000 e a quantia depreciável seria bem de 11.000, durante a vida útil definida para uso na empresa.

Se no final da vida útil estimada a empresa não vender a viatura, deverá estimar nova vida útil e novo valor residual para a vida útil remanescente, sendo que, usando este critério, o valor residual será sempre um mínimo de 10% do valor de aquisição, que nunca será depreciado.

O efeito de uma alteração numa estimativa contabilística deve ser reconhecido prospectivamente, pelo que só afetará exercícios futuros, não havendo lugar a qualquer recálculo relativo aos períodos passados.

Outro exemplo:

Uma empresa adquiriu um equipamento industrial por 900.000, tendo estimado um valor residual de 100.00, considerado como a quantia estimada de venda no mercado de segunda mão para equipamentos com a mesma vida útil após o uso pela empresa. Isto é, a quantia do investimento que será previsivelmente recuperada pela venda.

Neste caso, a quantia depreciável seria bem de 800.000 (900.000 -100.000), que seria sujeita à correspondente depreciação, durante o tempo de vida útil de uso pela empresa.

Tratamento fiscal

Também para efeitos de IRC, e para determinação do valor depreciável dos elementos depreciáveis, deduz-se o valor residual, sendo que a vida útil de um elemento do ativo depreciável é, para efeitos fiscais, o período durante o qual se deprecia totalmente o seu valor, excluído, quando for caso disso, o respetivo valor residual[1].

Estimativa da vida útil

A depreciação de um ativo começa quando este esteja disponível para uso, isto é, quando estiver na localização e condição necessárias para que seja capaz de operar na forma pretendida. A depreciação de um ativo cessa na data em que o ativo for desconhecido.

Não existe a possibilidade de suspensão de depreciações para os ativos que já iniciaram o seu uso, ainda que o ativo se encontre temporariamente ocioso.

Na determinação da vida útil de um ativo uma entidade deve ponderar o uso esperado do ativo, o desgaste normal esperado, a obsolescência técnica ou comercial e limites legais ou semelhantes no seu uso.

Para efeitos económicos, e contabilísticos, não existem tabelas definidas para a determinação de vidas úteis, contudo, e por uma questão de prudência tributária, é usual as empresas seguirem o disposto para efeitos de IRC[2].

Tratamento fiscal

Para efeitos de IRC, qualquer que seja o método de depreciação aplicado, considera-se[3]:

  1. Período mínimo de vida útil de um elemento do ativo, o que se deduz da quota de depreciação ou amortização que seja fiscalmente aceite conforme a tabela constante no anexo ao diploma legal;
  2. Período máximo de vida útil de um elemento, o que se deduz de quota igual a metade da referida na alínea anterior.

No caso das viaturas ligeiras de passageiros, indicadas na tabela II – Taxas genéricas, a vida útil mínima é de 4 anos (25%) e a máxima de 8 anos (12,5%), podendo a empresa escolher um período intermédio sem que isso implique qualquer correção fiscal.

No exemplo anterior da viatura adquirida por 20.000, com um valor residual de 9.000, a quanta depreciável seria de 11.000, a depreciar em 4, 5, 6, 7 ou 8 anos.

Caso a empresa entenda definir a vida útil da viatura em 4 anos (taxa de máxima de 25%), a depreciação anual, pelo método linear, ou das quotas constantes, seria de 2.750.

Alteração da estimativa de vida útil

Durante o uso de um ativo podem ocorrer alterações na estimativa de vida útil, motivadas por diversos fatores como o uso pretendido, a política de reinvestimento, ou o caso mais recente a paragem temporária, ou redução substancial da atividade por causa da pandemia.

Para o exemplo antes apresentado:

Supondo que tinham decorrido 2 anos de uso da viatura, e que a administração ou gerência da empresa pretende que a viatura passe a ter uma duração total estimada, na empresa, de 8 anos (os 2 já corridos mais 6 futuros). Uma vez que se trata de uma correção de estimativa, a depreciação do ano 3 passaria a ser de 1.750.

Com base nos seguintes cálculos efetuados

Custo: 20.000

Depreciação acumulada no ano 2: 5.500

Quantia escriturada: 14.500 (20.000 – 5.500) 

Novo valor residual: 20% (a desvalorização acumulada em 8 anos passa a ser de 80%) x 20.000 = 4.000

Nova quantia depreciável: 10.500 (14.500 – 4.000)

Nova depreciação: 1.750 (10.500 / 6)

Esta revisão da vida útil e do valor residual não afetariam os exercícios passados, apenas os exercícios futuros.

Desta forma, as empresas evitam a excessiva prudência na política de depreciações e assim o impacto negativo nos capitais próprios será mais lento e menor.


[1] GLOSSÁRIO DE TERMOS E EXPRESSÕES CONSTANTES DO SNC, em https://www.cnc.min-financas.pt/pdf/snc/2016/GlossarioSNC.pdf

[2] GLOSSÁRIO DE TERMOS E EXPRESSÕES CONSTANTES DO SNC, em https://www.cnc.min-financas.pt/pdf/snc/2016/GlossarioSNC.pdf

[3]Portaria 383/2003, de 14 de maio

[4] Artigo 2.º, n.º 5 e artigo 3.º n.ºs 1 e 2, do DR 25/2009

[5] Decreto-regulamentar 25/2009, de 14 de setembro

[6] Artigo 3.º, n.º 2 do DR 25/2009