Estratégia, Legal e Processos

Comodato – Considerações contabilísticas e fiscais

Ainda que não esteja acordada uma retribuição associada ao uso dos imóveis (terrenos ou edifícios) ou máquinas e equipamentos, mas também viaturas, as despesas relacionadas com tais bens podem ser assumidas pelo beneficiário. 

É frequente verificar-se, sobretudo em situações de micro e pequenas empresas, o uso de instalações e equipamentos de outrem, nomeadamente dos sócios da sociedade, a favor da mesma, sem que esta retribua esse uso. Trata-se assim de liberalidades, ou seja, a disposição a título gratuito, independente de seu modo de realização, pela qual alguém confere bens, vantagens ou direitos a outrem.

Para além da disposição do bem, podem existir despesas associadas ao seu uso como energia, água, conservação e reparação, segurança e vigilância, entre outras.

Ainda que não esteja acordada uma retribuição associada ao uso dos imóveis (terrenos ou edifícios) ou máquinas e equipamentos, mas também viaturas, as despesas relacionadas com tais bens podem ser assumidas pelo beneficiário. 

Dessa forma, coloca-se a questão de se estar, ou não, perante um ativo da sociedade e como tratar os gastos a incorrer com a utilização de bens não pertencentes à empresa.

Comodato

contrato de Comodato consiste no empréstimo, por alguém (comodante) de algo com valor material a outra pessoa (comodatário), por um período, e garantir que o mesmo lhe seja devolvido no estado em que foi emprestado[1].

contrato de comodato torna-se diferente por ser um contrato gratuito, em que não existe valor associado ao empréstimo da coisa, móvel ou imóvel. No entanto, podem ser estipulados valores associados a encargos, através de cláusulas modais. Trata-se de cláusulas acessórias típicas dos negócios jurídicos que envolvem liberalidades e, embora constitua um dever jurídico, não corresponde a uma contraprestação.

Este tipo de contrato é celebrado entre um comodante, a pessoa que é proprietária da coisa emprestada, e o comodatário, a pessoa que vai usufruir da coisa emprestada. Contudo, se o comodante emprestar o bem com base num direito de duração limitada, não pode o contrato ser celebrado por tempo superior. Caso tal suceda, o contrato será reduzido ao limite de duração do direito estipulado.

O comodatário tem várias obrigações legais atribuídas, como:

  • Guardar e conservar a coisa que lhe foi emprestada;
  • Não utilizar a coisa de forma imprudente;
  • Não aplicar a coisa a um fim diverso daquele a que se destina;
  • Facultar ao comodante o exame da coisa emprestada;
  • Quando o comodante queira realizar benfeitorias na coisa deve tolerar as mesmas;
  • Não proporcionar o uso da coisa a terceiros, a menos que tenha autorização do comodante para tal;
  • Avisar imediatamente o comodante sempre que tenha conhecimento de vícios na coisa emprestada ou saiba que existe uma ameaça ou perigo. Também deve avisar o comodante quando terceiros reivindicarem direitos sobre ela, desde que o comodante não tenha conhecimento sobre tal;
  • Restituir a coisa no final do contrato, em bom estado de conservação.

Bens em regime contratual de comodato

Ao tomar parte de um contrato de comodato, assumindo a responsabilidade pelo bem e a sua posterior devolução, no prazo acordado, a sociedade está perante um seu ativo[2], ou seja, um recurso controlado (por via contratual) pela entidade como resultado de acontecimentos passados e do qual se espera que fluam para a entidade benefícios económicos futuros.

Para o reconhecimento[3] de um ativo na sociedade, é necessário comprovar que os benefícios económicos futuros fluam para a entidade e o ativo tenha um custo ou um valor que possa ser mensurado com fiabilidade.

Quanto à comprovação da geração de benefícios económicos não parece consistir numa dificuldade, o que já não acontece no caso da determinação do custo.

As rubricas reconhecidas nas demonstrações financeiras são mensuradas ao custo de aquisição ou ao custo de produção, exceto se uma NCRF dispuser diferentemente. Considera-se custo de aquisição o preço a pagar e as despesas acessórias, uma vez deduzidas as reduções acessórias[4].

Ora, perante a questão de se tratar de uma liberalidade, não existe custo mensurável. Contudo, mm muitos casos, o custo ou o valor precisam de ser estimados; o uso de estimativas razoáveis é uma parte essencial da preparação das demonstrações financeiras e não destrói a sua fiabilidade. Quando, porém, uma estimativa razoável não possa ser feita o item não é reconhecido no balanço ou na demonstração dos resultados[5].

Temos assim de verificar o enquadramento possível do ativo subjacente como ativo fixo tangível, que, no caso das microentidades só admite como critério de mensuração inicial o custo[6], não sendo, por isso, admitida uma estimativa.

Já no que respeita aos custos incorridos com o seu uso ou manutenção, serão assim considerados como gastos da atividade, por estarem relacionados com o negócio que gera rédito para a sociedade.

Uma vez que a empresa (comodatário) assume a responsabilidade pelo bem objeto de contrato, deverá divulgar esta informação no anexo, ou na informação adicional/complementar ao Balanço, no caso das microentidades.

Enquadramento em IRC

O bem, que seja objeto de comodato, pode originar depreciações ou amortizações, pelo uso ou passagem do tempo. Contudo, uma vez que não seja determinável um custo para o comodatário, não existe quantia depreciável ou amortizável para este.

Contudo, os custos incorridos e decorrentes do seu uso ou conservação, serão considerados gastos dedutíveis para o comodatário, na medida em que a este incumbe os deveres de “guardar e conservar a coisa que lhe foi emprestada” e “restituir a coisa no final do contrato, em bom estado de conservação”, desde que respeitadas as regras gerais de emissão de documentos[7] e seja estabelecida a relação com a atividade geradora de rendimentos[8].

Locação financeira

Os contratos de locação financeira, são caracterizados por manterem a propriedade formal do bem na titularidade do locador, não sendo, por isso, legítimo ao locatário, proceder à transferência do uso do bem, sem autorização expressa do locador. Assim, os gastos com rendas não poderão ser considerados como gastos dedutíveis na atividade do comodatário, dado que a responsabilidade perante o locador, será sempre do locatário (eventual comodante) e nunca do comodatário.

Imposto de selo

O imposto do selo incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstas na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens. 

Contudo, a verba 5 da tabela, relativa ao Comodato (que exceda 600€), foi revogada pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, não sendo assim sujeito a este imposto desde 1 de janeiro de 2009.

Enquadramento em IRS para o Comodante

Não proporcionando o contrato de comodato um qualquer rendimento ao comodante, nem se encontrando prevista no Código do IRS qualquer presunção de rendimentos desta natureza, este não se encontra abrangido pelas regras de incidência do IRS, ou seja, o proprietário do bem, não auferindo um qualquer rendimento, através da entrega do bem em contrato de comodato não se encontra sujeito a qualquer obrigação em sede de IRS.

IVA

O comodato, poderá configurar uma operação sujeita a IVA, para “As prestações de serviços a título gratuito efetuadas pela própria empresa com vista às necessidades particulares do seu titular, do pessoal ou, em geral, a fins alheios à mesma[9]sempre que, o comodante seja sujeito passivo de IVA, aplicando-se, nestes casos, para determinação da base de incidência, “o valor normal do bem ou do serviço[10]”, que poderá ser:

  1. “O preço, aumentado dos elementos referidos no n.º 5, na medida em que nele não estejam incluídos, que um adquirente ou destinatário, no estádio de comercialização em que é efetuada a operação e em condições normais de concorrência, teria de pagar a um fornecedor ou prestador independente, no tempo e lugar em que é efetuada a operação ou no tempo e lugar mais próximos, para obter o bem ou o serviço ou um bem ou serviço similar;
  2. Na falta de bem similar, o valor normal não pode ser inferior ao preço de aquisição do bem ou, na sua falta, ao preço de custo, reportados ao momento em que a transmissão de bens se realiza;
  3. Na falta de serviço similar, o valor normal não pode ser inferior ao custo suportado pelo sujeito passivo na execução da prestação de serviços.”

[1] Artigo 1129.º a 1141.º do Código Civil

[2] § 52 a 58 da Estrutura Conceptual (EC) constante do Aviso n.º 8254/2015

[3] § 87 da EC, constante do Aviso n.º 8254/2015

[4] § 2.8.1 das “Bases para a apresentação de demonstrações financeiras (BADF)” anexo ao Decreto-Lei n.º 98/2015

[5] § 84 da EC, constante do Aviso n.º 8254/2015

[6] § 7.6 do Aviso n.º 8255/2015

[7] Alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º A do CIRC

[8] N.º 1 do artigo 23.º do CIRC

[9] Por aplicação do disposto da al. b) do n.º 2 do art.º 4.º do CIVA

[10] Alínea c) do n,º 2 do art. 16.º do CIVA