Falta de talento qualificado. Como é que as empresas podem beneficiar com o cenário atual?

Andrea Junqueira
É Learning Services Specialist da Sage e tem um percurso formativo e profissional ligado aos dois temas que mais a fascinam: a transmissão de conhecimentos e as tecnologias da informação e da comunicação.

Durante 2020 e 2021, atendendo aos sucessivos confinamentos impostos pela pandemia, houve muitos profissionais que foram despedidos, ou colocados em Lay off, mudando a dinâmica das empresas. E, mesmo agora, muitas das organizações não se podem dar ao luxo de investir na contratação de novos perfis, o que torna o investimento na sua força de trabalho, através da requalificação, uma opção cada vez mais crítica e decisiva.

Por isso mesmo, voltamos a analisar este tema, sendo que no artigo, “As oportunidades geradas pelas tecnologias digitais e a reconversão de carreira”, o foco esteve no indivíduo, enquanto profissional que pode aproveitar as oportunidades de reconversão e neste artigo, o foco estará nas empresas. Serão apresentadas algumas das vantagens desta reconversão de carreira para o negócio, esclarecidas possíveis questões preexistentes, assim como expostas boas práticas que levaram algumas empresas a tirar o máximo partido do panorama atual.

Se para os profissionais mais flexíveis a digitalização da economia e da sociedade é vista como um leque de oportunidades de desenvolvimento e de crescimento na carreira, para uma empresa pode ser o descarrilar de um comboio que segue viagem a uma velocidade alucinante. Mas, isto não tem de ser necessariamente assim. Fala-se na agilidade que as organizações devem ter para enfrentar esta nova realidade, usando-se incessantemente um termo muito associado à evolução das espécies, “Adaptação”. Esta agilidade e esta capacidade de adaptação advêm de um conjunto de fatores, dentre os quais a capacidade que a força de trabalho de uma empresa tem em executar novas funções, de seguir novos processos e de estar disponível para aprender e reaprender algo novo, sempre que seja necessário.

É atendendo a esta necessidade de executar novas funções, que surgem os termos que temos ouvido com maior frequência nos últimos tempos, upskilling, reskilling e cross-skilling. Cada um destes termos se refere a uma estratégia, que pode ser adotada pelas empresas para suprir as necessidades de talento qualificado:

Upskilling

O upskilling está relacionado com a aprendizagem contínua, levando à aquisição de novas competências e, com isso, ao aumento do nível global das aptidões do indivíduo. É particularmente relevante num contexto de mudança, onde é essencial garantir que o colaborador consiga antecipar a depreciação das suas capacidades.

Reskilling

O reskilling é essencial quando existe uma escassez de mão de obra, permitindo às empresas preencher esta lacuna, com o recrutamento de candidatos que à partida não seriam considerados por não possuírem as competências técnicas necessárias. Nestes casos, o processo de recrutamento pode focar-se nas competências transversais que melhor se enquadram na cultura da empresa, uma vez que as competências técnicas serão adquiridas através de formação após a contratação.

Cross-skilling

O cross-skilling implica a formação dos colaboradores da empresa, de modo que estes possam desempenhar tarefas em áreas fora do seu âmbito habitual. Esta estratégia permite aumentar a flexibilidade e a versatilidade do perfil dos seus colaboradores, diminuir a monotonia do trabalho rotineiro, aumentar a compreensão da empresa e da sua estratégia e encorajar a interação entre as diversas áreas da empresa.

Para qualquer organização, ter uma força de trabalho com um perfil flexível e capaz de navegar numa diversidade de contextos mais ou menos desconhecidos é definitivamente uma mais-valia cada vez mais reconhecida e estimulada no mercado. Um dos benefícios mais significativos para as empresas que requalificam os seus colaboradores é que acabam por manter os talentos já reconhecidos internamente, em vez de recrutarem um novo colaborador sem laços interpessoais e de história com a organização. Atentos a esta realidade, a Harvard Business Review (HBR) lançou um artigo chamado 6 Strategies to Upskill Your Workforce *(“6 estratégias para realizar o upskill dos seus colaboradores”), onde são destacados alguns pontos fulcrais para as empresas que pretendam fazer o reskiling da sua força de trabalho:

1. Ver a requalificação como um investimento, e não como uma despesa

A maioria dos esforços de requalificação são criados para otimizar os custos de L&D, deste modo, em vez de terem um verdadeiro impacto empresarial falham, por isso mesmo deve ser visto e tratado como um investimento e não como uma despesa.

2. Equilibrar a busca de competências

A requalificação é muitas vezes vista como uma receita, com menu estático, onde são oferecidos aos colaboradores um leque especializado de conhecimentos: funcionais, digitais, de liderança, empresariais, ou de soft skills. Para a obtenção de uma requalificação de alto impacto, é recomendado que sejam criados contextos específicos, onde o formando tem a oportunidade de aprender uma combinação transversal destas competências e não somente um pack limitado a uma área específica.

3. Trazer alegria ao processo de aprendizagem

No contexto atual é necessário analisar como, quando e onde a aprendizagem deve acontecer, tendo em mente uma questão fundamental: como podemos trazer a alegria e a curiosidade da aprendizagem para a formação de adultos?

4. Atingir o expoente máximo através de dados

Como em qualquer área, também na reconversão de perfis, os dados podem ser utilizados para a tomada de decisões informadas. Por exemplo, ferramentas de inteligência artificial podem ajudar na análise da experiência profissional e da trajetória do colaborador, permitindo-nos ter uma boa imagem das suas lacunas para o perfil pretendido e, com isso, personalizar a sua experiência de desenvolvimento e aprendizagem.

5. Desenhar o seu próprio leque de conhecimentos

Em vez de “desenhar” um percurso formativo do zero, as empresas podem movimentar-se rapidamente “comprando” ou “alugando”, total ou parcialmente, estes percursos de modo a obterem uma compilação de competências adaptadas às suas especificidades. Cabe à equipa de L&D distinguir quais os conhecimentos que podem ser adquiridos desta forma e quais os que podem ser criados com a “prata da casa”.

6. Incentivar os colaboradores à aprendizagem contínua

Os empregadores devem capacitar e suportar os seus colaboradores nos seus percursos pessoais de requalificação, com as ferramentas certas e com a disponibilização de recursos flexíveis. Os colaboradores podem ser responsáveis pela sua própria requalificação, decidindo as competências que necessitam de melhorar e escolhendo dentre um leque de opções, aquelas que consideram ser as melhores para si.

Ao serem repensadas as abordagens tradicionais da qualificação dos colaboradores, os líderes têm a possibilidade de, atempadamente, tomar as medidas necessárias para prepararem as suas equipas não só para as necessidades presentes, mas também para as de futuro! Aliás, atualmente é ainda mais urgente que as empresas criem uma vantagem competitiva, no que se refere ao parque de competências, ou correm um grande risco de ficarem para trás, ou até de desaparecerem.

Num outro artigo da HBR, Make Sure Your Companys Reskilling Efforts Pay Off (“Garanta que o esforço de reskilling da sua empresa compensa”)**, o autor identifica 4 medidas essenciais para avaliar o impacto dos programas de aquisição de competências, através de um scorecard que ajuda a medir o ROI desses mesmos programas, avaliando a:

1. Métrica dos custos

Essencial para comparar o custo de avançar com a requalificação vs o custo de não o fazer.

2. Métrica de produtividade

Essencial para quantificar o impacto do programa de requalificação, medindo a mudança na velocidade, ou na eficácia, com que as novas competências são utilizadas.

3. Métrica das pessoas

Essencial para medir a estabilidade e a satisfação da força de trabalho, através da avaliação da retenção de talento, da capacidade de atração de novos perfis e da percentagem de vagas preenchidas por candidatos internos versus externos.

4. Métrica de satisfação da chefia

Essencial para avaliar o impacto dos programas de requalificação, recorrendo à opinião dos gestores e dos líderes, no que respeita às formações frequentadas pelas suas equipas e ao impacto das mesmas no dia a dia.

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Saiba mais

Num estudo realizado pela Mckinsey***, verificou-se que a requalificação eficaz tende a trazer um aumento de produtividade de 6% a 12%. Estes valores apresentados são interessantes, mas, nem todas as empresas os conseguem obter. Assim, impõe-se refletir sobre qual será o segredo para uma requalificação bem-sucedida. O autor desse artigo aponta três aspetos principais nos quais as empresas que chegaram a esses valores, apostaram:

1. Planeamento estratégico da força de trabalho

Implica deixar que as necessidades a longo prazo de uma empresa impulsionem os seus requisitos de competências e em comparar estes requisitos com as competências atuais, determinando a melhor forma de colmatar a lacuna existente, ou que se anteveja que possa vir a existir.

2. Melhoria da oferta formativa

Implica medir o impacto da formação atual, ter em consideração insights económicos, recorrer à requalificação de talentos on the job e em formato modular e estabelecer parcerias que permitam a adquisição de competências específicas. 

3. Criação de um forte ambiente de aprendizagem

Implica criar esta cultura, tanto nos processos empresariais, como na mentalidade, através de um ambiente em que seja normal:

  • A realização de formação para a adquisição de competências;
  • O fácil acesso ao leque de formações disponibilizadas;
  • A obtenção de informação clara sobre o processo de progressão na carreira;
  • A condução de uma requalificação eficaz dos colaboradores;
  • A exemplificação do rumo a seguir, feita pelos líderes;
  • A análise contínua de resultados.

 No Reino Unido, há estudos**** que realçam a necessidade de responder às tendências atuais do mercado, através da transição de um grande número de colaboradores, cerca de 90%, para novos papéis durante a próxima década.Sem uma ação concertada por parte dos empregadores, dois terços da força de trabalho poderão carecer de competências digitais básicas até 2030, enquanto que mais de dez milhões de pessoas poderão estar subqualificadas em liderança,comunicação e tomada de decisões, só no Reino Unido.

Evitemos a ingenuidade de acreditar que em Portugal a realidade será muito diferente e posicionemos as nossas organizações nos primeiros lugares do pódio, assegurando esta análise de necessidade de cross-skilling, reskilling e upskilling e implementando um plano de requalificação orientado e assertivo para as nossas organizações.

Está na hora de liderar a mudança na sua área de ação e de retirar deste posicionamento as vantagens que dele advêm, como sejam a redução do custo de novas contratações, a retenção de conhecimento e de talentos e o aumento da versatilidade dos seus colaboradores.

Notas:

* 6 Strategies to Upskill Your Workforce

** Make Sure Your Companys Reskilling Efforts Pay Off

*** Estudo realizado pela Mckinsey

**** Estudos no Reino Unido

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