Estratégia, Legal e Processos

Como racionalizar o IRC: reduzir as correções fiscais e verificar o cumprimento das normas contabilísticas.

O Código do Imposto sobre o Rendimento da Pessoas Coletivas (CIRC[1]) resulta de uma profunda reforma fiscal ao nível da tributação do rendimento, provocada em Portugal, com início de vigência em 1 de janeiro de 1989, a par da introdução do CIRS[2], e na sequência da aprovação do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado[3] (CIVA), este a propósito da transposição para o direito interno da “6.ª Diretiva[4]” da CEE, atual UE. São os três impostos mais relevantes da receita tributária em Portugal.

A tributação das pessoas coletivas, empresas e outras entidades, faz-se em regra, com base na contabilidade[5], tendo em consideração o disposto na Constituição da República Portuguesa[6], em que “a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real”.

Existem, porém, outras formas de tributação previstas, nomeadamente:

  1. O regime simplificado de tributação[7], por opção;
  2. A transparência fiscal[8], nas condições definidas do tipo de sujeito;
  3. O regime especial de tributação dos grupos de sociedades[9], por opção; e
  4. Os métodos indiretos[10], em casos excecionais.

Quanto aos resultados apresentados pelas entidades[13], das 510.158 declarações submetidas em 2019, cerca de 33,6% apresentam resultado contabilístico negativo, e cerca de 16,8% apresentam resultado nulo, uma tendência que se mantém, apesar do crescimento do número de declarações consideradas, relativamente aos anos anteriores.

Isto é, só cerca de 50% das empresas apresentaram resultado líquido positivo, isto antes dos efeitos da pandemia provocada pela COVID-19.

Se o propósito das empresas é a obtenção de resultados positivos, com vista a remunerar os investidores, reforçar a sua estrutura de capital e gerar confiança nos potenciais financiadores e credores, pela diminuição do risco financeiro, esta é uma situação que oferece alguma reflexão.

Esta situação poderia ser melhor compreendida se a Comissão de Normalização Contabilística[14] (CNC), enquanto entidade normalizadora em Portugal, exercesse efetivamente o seu dever de fiscalização da aplicação das normas contabilísticas em vigor, conforme o “Regulamento para o Controlo da Aplicação das Normas Contabilísticas”, já aprovado pelo seu Conselho Geral em 27 de janeiro de 2016.

O cálculo do resultado tributável é efetuado, em regra, pelo uso da contabilidade, e assim pelo uso das normas contabilísticas em vigor em Portugal[15], atualmente num modelo contabilístico adaptado do modelo europeu[16].

Contudo, o resultado tributável não é o resultado apurado pela contabilidade. Este é apurado através de correções ao resultado líquido contabilístico, previstas no CIRC, que, atendendo à sua quantidade e, em alguns casos, complexidade, que oneram o apuramento de imposto, com tempo de preparação da informação e complexidade, que originam custos significativos para as para os contabilistas, e para as empresas, enquanto custos de contexto.

Do resultado contabilístico, apresentado conforme as normas contabilísticas, para o apuramento do resultado tributável, são possíveis de efetuar 95 correções, tipificadas, em outros tantos campos da declaração, em resultado de disposições específicas do CIRC.

Destas correções, das mais frequentemente usadas para “acréscimos”, apenas 13 foram usadas acima das 5.000 declarações, conforme a mesma fonte.

Uma forma de simplificar o processo declarativo e reduzir os custos de cumprimento desta obrigação (custos de contexto), poderia passar, por um lado, em reduzir ao mínimo as correções fiscais ao resultado contabilístico, através de uma simplificação do CIRC, que, conforme se comprova, poderia ser bastante mais eficaz, atendendo ao número de declarações com correções. Por outro lado, uma verificação do efetivo cumprimento da aplicação das normas contabilísticas, em articulação com a Comissão de Normalização Contabilística, contribuindo para o reforço da qualidade da apresentação das demonstrações financeiras das entidades e assim também maior segurança e confiança dos potenciais interessados.

Um sistema fiscal para ser justo e atrativo ao investimento deve ser simples, transparente e estável ao longo dos anos, de forma a gerar confiança e segurança a quem investe.

[1] Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30/1, no uso da autorização legislativa concedida pela Lei nº 106/88, de 17 de setembro, e nos termos das alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 201º da Constituição.

[2] Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares

[3] Decreto-Lei n.º 394-B/84, de 26 de dezembro

[4] 77/388/CEE, de 17 de maio de 1977

[5] Art. 17.º do CIRC

[6] Art. 104.º, n.º 2, da CRP

[7] Art. 86.º A do CIRC

[8] Art. 6.º do CIRC

[9] Art. 69.º do CIRC

[10] Art. 57.º do CIRC

[13] https://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/dgci/divulgacao/estatisticas/estatisticas_ir/Pages/Estatisticas_IRC.aspx

[14] Decreto-Lei n.º 134/2012, de 29 de junho

[15] Decreto-Lei n.º 98/2015, de 2 de junho

[16] Regulamento 1606/2002 da UE