RH e Liderança

Conhece o conceito ‘career cushioning’?

O mundo laboral está em constante mudança e, consequentemente, o léxico também. Uma das mais recentes novidades é o conceito de ‘career cushioning’, que pressupõe uma nova postura dos indivíduos face ao seu atual posto de trabalho.

Seja porque não se está satisfeito com o que se faz profissionalmente no presente, seja porque se teme perder o emprego, trata-se de manter as opções em aberto, preparando uma possível saída, desejada ou involuntária. Tal pode passar por apostar em novas qualificações, estar atento a outras oportunidades de emprego ou até iniciar uma atividade paralela. No fundo, é investir num ‘plano B’ que nos prepara para qualquer eventualidade e que, simultaneamente, assenta numa atitude de não conformismo. Refletir sobre as nossas preferências e gostos, sobre o que nos preenche e sobre o que imaginamos que gostaríamos que fosse o resto da nossa carreira parece ser cada vez mais o caminho.

A ideia de que nos vamos manter numa mesma organização e até numa mesma profissão a vida toda tem vindo, ano após ano, geração a geração, a perder força. Por outro lado, a pandemia e, mais ainda, o turbilhão económico e geopolítico espoletado pela invasão da Ucrânia por parte da Rússia vão incutindo cada vez mais nas forças de trabalho a ideia de que nada é certo e tudo pode mudar a qualquer momento. O ‘career cushing’ começa, por isso, a ganhar cada vez mais terreno como resposta a esta perceção de constante instabilidade, assim como em reação às mudanças no que se convencionou, por muito tempo, ser uma carreira profissional bem sucedida.

Esta nova forma de encarar o trabalho deve também levar à reflexão por parte das empresas para prevenir grandes fugas de talentos e, sobretudo, para ajustar políticas laborais e estratégias de forma a conseguir manter, motivar e potenciar o valor destes mais exigentes trabalhadores de hoje.

O que pode levar a que se invista no ‘Career cushioning’

Um dos motivos para adotar esta postura face ao emprego que temos hoje está relacionado com a incerteza quanto à manutenção do posto de trabalho, seja pela falta de segurança sentida na organização onde se exerce funções, seja pela instabilidade existente no setor de atividade onde a mesma se insere.

O instinto de sobrevivência que todos possuímos – e a necessidade de conseguir pagar as contas, claro – leva-nos a procurar o certo e a fugir do inseguro. Este estado de alerta, desde que ajustado à realidade, é o que nos faz avançar e procurar soluções. Negar os sinais à nossa volta e ‘enfiar a cabeça na areia’ quando algo não está bem pode dar muito mal resultado.

Outra grande razão que pode levar a uma estratégia de ‘career cushioning’ é mesmo a desmotivação com o trabalho atual. Quer seja porque a atual função é pouco estimulante e desmotivante, porque não se recebe o que se considera justo face ao que trabalhamos, pela existência de um mau ambiente de trabalho, pela falta de apoio e incentivo de quem lidera, por haver um excesso de pressão sobre os colaboradores ou pela simples vontade de abraçar novos desafios, muitas razões podem levar a um desejo de mudar. Mesmo que o posto de trabalho não esteja em causa.

O ‘career cushioning’ é o meio termo entre simplesmente abandonar o que se faz atualmente, sem fazer ideia para onde se vai, e o permanecer ad aeternum num emprego que não satisfaz. Trata-se de fazer uso da ponderação e do realismo para definir uma estratégia e começar a trabalhar para um futuro profissional diferente, de forma sustentada.

O que fazer

Um importante ponto de partida para iniciar uma estratégia de ‘career cushioning’ é procurar-se estar bem informado. Quer seja através de meios de divulgação públicos – comunicação social ou as próprias empresas – quer seja com recurso às redes de contacto de que se disponha, perceber a evolução do ‘estado da arte’ é fundamental. Estar a par do que se passa importa para aferir sobre a estabilidade do posto de trabalho e eventuais sinais de que as coisas podem mudar.

Por outro lado, acompanhar o mercado de trabalho, nomeadamente em termos de oferta e procura, vai contribuir, por exemplo, para perceber se o tipo de função que se exerce está a ser muito requisitado pelas empresas ou se, pelo contrário, se está a assistir a movimentos significativos de dispensa desse perfil de trabalhadores.

Já para efeitos de uma mudança de local de trabalho – ou até de carreira -, saber como está o mercado de trabalho permite perceber quais as tendências, que tipo de skills são mais procuradas pelas empresas e quais as profissões em ascensão.

Outro passo importante, quando se pondera mesmo mudar, pode ser equacionar a possibilidade de se candidatar a novas posições. Ponderados os riscos e tendo presente que concorrer a um trabalho não o compromete com uma mudança, esta será sempre uma excelente forma de perceber que oportunidades existem. Permite igualmente ter uma melhor perceção de quão competitivos estamos e aferir a eventual necessidade de apostar em aumentar o nível de qualificações e competências.

Um alerta para as empresas

O ‘career cushioning’ deve também constituir um alerta para as empresas, por forma a que estejam cada vez mais atentas à motivação dos seus colaboradores e apostadas em investir na sua formação e desenvolvimento de carreira. Manter talentos é um desafio cada vez maior nos dias que correm. E não há gestor que não saiba que perder talentos pode ser bastante prejudicial e implica muitas vezes investimentos muito maiores – nomeadamente em recrutamento e formação de novos quadros – do que os necessários para manter os bons colaboradores.

Por outro lado, estes movimentos de busca de novas oportunidades podem também constituir oportunidades, assim as empresas saibam interpretar que mensagens de insatisfação estão subjacentes e, portanto, o que podem fazer de diferente.

Apostar no desenvolvimento profissional e pessoal dos quadros da empresa pode contribuir para reduzir este risco de rotatividade de colaboradores e é o caminho para ter funcionários mais qualificados e comprometidos com a empresa, logo potenciais geradores de maior valor.

Há ainda quem olhe para movimentos como este de ‘career cushioning’ sob outro ponto de vista, porventura mais otimista. Muitos especialistas defendem que esta postura dos colaboradores, de foco no networking e no desenvolvimento de competências pode ser benéfica para as empresas. Traduz uma força de trabalho inconformada, focada em tentar sempre melhorar e adquirir novas competências e que tem uma noção clara do caminho que quer seguir, das suas necessidades e capacidades.

Seja qual for o prisma com que se olha para esta questão, é ponto assente que as lideranças estão hoje sob uma grande pressão e são convidadas a atender não só à concorrência exterior, existente nos mercados em que operam, mas também ao desafio de competitividade que têm ‘dentro de portas’ e que lhes é exigido pelos trabalhadores. Investir no envolvimento da equipa, na produtividade, na inovação e na motivação dos colaboradores é parte essencial de um desenvolvimento empresarial de sucesso.