Estratégia, Legal e Processos

Contabilização da tributação autónoma: a necessária correção de um erro atual

A tributação autónoma não tributa o rendimento, nem o resultado do período, incide sobre certas despesas, sendo o seu facto gerador a realização da despesa.

Embora incluída no Código do Impostos sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), a origem da Tributação Autónoma (TA) é o Dec. Lei n.º 192/90, de 9 de junho, que resulta de uma autorização legislativa[1].

A tributação autónoma não tributa o rendimento, nem o resultado do período, incide sobre certas despesas, sendo o seu facto gerador a realização da despesa.

Assim, tal como o IVA não dedutível é custo por natureza, por exemplo o IVA não dedutível da gasolina é acrescido ao custo do combustível, ou a IMT suportado na aquisição de um imóvel é acrescido ao custo de aquisição do imóvel, ou imposto de selo que incide sobre os juros é gastos de financiamento, a tributação autónoma que incide sobre as despesas, por exemplo as de representação, deveria ser considerado um custo acrescido à natureza da despesa.

O erro atualmente cometido

Atualmente, e desde sempre, a Tributação Autónoma, depois de calculada na declaração de modelo 22, e registadas a quantia devida no campo 365 do quadro 10, e explicitada a sua base no quadro 13, é registada da seguinte forma:

Débito 8121 Imposto estimado para o período

Crédito 241 – Estado e outros entes públicos — Imposto sobre o rendimento.

Segundo as notas explicativa à conta 8121, constante no quadro de contas atual[2], “Considera -se nesta conta a quantia estimada para o imposto que incidirá sobre os resultados corrigidos para efeitos fiscais, por contrapartida da conta 241 — Estado e outros entes públicos — Imposto sobre o rendimento.”

Releva-se a expressão “que incidirá sobre os resultados corrigidos para efeitos fiscais”, ora a tributação autónoma, não incide sobre os resultados.

Jurisprudência publicada

A este propósito, é importante enfatizar a decisão do CAAD[3] sobre a tributação autónoma:

“Começando pela divergência (fundamental) relativa à natureza das tributações autónomas.

Aqui, este Tribunal acompanha a posição uniforme e reiterada quer da jurisprudência do Tribunal Constitucional e do Supremo Tribunal Administrativo quer da Doutrina.

As tributações autónomas são um imposto sobre a despesa diferente e distinto do IRC que, indiscutivelmente, é um imposto sobre o rendimento. Isto sem se discutir se as tributações autónomas têm ou não natureza – semelhanças – com o IRC. É que independentemente das possíveis semelhanças não há dúvida que são impostos diferentes.

Esta jurisprudência foi iniciada há já 7 anos no tribunal constitucional com o voto de vencido do Exmo. Conselheiro Vítor Gomes, aposto no Acórdão n.º 204/2010. No Acórdão n.º 310/12, de 20 de junhoo Tribunal Constitucional reformulou a doutrina do Acórdão n.º 18/11 aproximando-se do então voto de vencido do Conselheiro Vítor Gomes.

Esta jurisprudência foi mais tarde reafirmada pelo Plenário, no Acórdão
n.º 617/2012, processo n.º 150/12, de 31/1/2013 e, recentemente, no Acórdão n.º 197/2016, proferido no âmbito do processo n.º 465/2015.

No mesmo sentido tem andado o Supremo Tribunal Administrativo como se confirmará, entre outros, no Acórdão de 21/3/2012, processo 830/11, de 21/3/2012.

A doutrina também acompanha esta posição.”

O cálculo da taxa efetiva de imposto

A NCRF 25 – Imposto sobre o Rendimento, tem como objetivo o de “prescrever o tratamento contabilístico dos impostos sobre o rendimento”, e “consideram-se impostos sobre o rendimento todos os impostos no país e impostos estrangeiros que sejam baseados em lucros tributáveis, bem como outros impostos tais como impostos por retenção (de dividendos), que sejam pagáveis por uma subsidiária, associada ou empreendimento conjunto em distribuições à entidade que relata[4].”

Uma vez que a tributação autónoma não se baseia em lucros tributáveis, não se encontra incluída nesta norma, e não deveria ser considerada no cálculo da taxa efetiva, tal como preconizado na nota 27 do anexo do regime geral, que exige a seguinte divulgação:

“27.3 — Relacionamento entre gasto (rendimento) de impostos e lucro contabilístico (em uma ou em ambas das seguintes formas):

a) Reconciliação numérica entre gasto (rendimento) de impostos e o produto de lucro contabilístico multiplicado pela(s) taxa(s) de imposto aplicável(eis) e indicação da base pela qual a taxa(s) de imposto aplicável(eis) é (são) calculada(s); ou

b) Reconciliação numérica entre a taxa média efetiva de imposto e a taxa de imposto aplicável, e indicação da base pela qual é calculada a taxa de imposto aplicável.”.

A taxa efetiva de imposto, para efeitos da Informação Empresarial Simplificada (IES), no seu Anexo A, é calculada no quadro 0526-A Imposto sobre o rendimento, aplicável a todas as entidades (Micro, pequenas e regime geral), no esquema seguinte:

Desta forma inclui-se a tributação autónoma no cálculo da taxa efetiva de imposto, o que não é condizente com o disposto na normalização contabilística.

Arrecadação de receita tributária

De acordo com os dados publicados pela Autoridade Tributária, nos anos de 2017 a 2019, a tributação autónoma representou cerca de 11% do IRC liquidado.

A arrecadação deste imposto autónomo, no mesmo período de 2017 a 2019, incidiu sobre as seguintes despesas:

Seria importante corrigir aquilo que se poderá assim entender como um erro que está a ser cometido na contabilidade.

[1] n.º 3 do artigo 25.º da Lei n.º 101/89, de 29 de dezembro – OE 1990

[2] Portaria n.º 218/2015 de 23 de julho

[3] https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?s_irc=1&s_processo&s_data_ini&s_data_fim&s_resumo&s_artigos&s_texto&listPage=83&id=3801&fbclid=IwAR0p9JzdbPVu_LHl–aRs0yQt_oNcnZdjQx2aaGrpVqfR4wXPKAjQqdG60M

[4] §3 da NCRF 25