Tecnologia e Inovação

Inteligência Artificial: uma ajuda para a setor da saúde?

A Inteligência Artificial (IA) tem evoluído a grande velocidade e as tecnologias que lhe estão associadas estão cada vez mais presentes, quer nos negócios quer na sociedade, e a saúde não é exceção. Têm o potencial de transformar muitos aspetos do que é o atendimento ao paciente e a prestação de cuidados de saúde, assim como os processos administrativos nas organizações prestadoras, entre outras mudanças já existentes ou ainda por vir.

São vários os benefícios que se antecipam para os cidadãos e, em particular, para os doentes que precisam de cuidados. Convém, de resto, ter presente que a saúde é uma das áreas que está sob maior pressão um pouco por todo o mundo, em resultado de fatores como o aumento da esperança média de vida, o aumento da cronicidade de muitas doenças, a desproporção entre as enormes necessidades existentes e a oferta tantas vezes insuficiente de profissionais e infraestruturas, e os enormes desafios quanto ao financiamento dos gastos em saúde. A recente pandemia da Covid-19 veio colocar ainda maior sobrecarga sobre o sistema. O setor precisa de respostas e a inovação na área da IA e do tratamento de dados promete ser uma das soluções, pelo menos para parte dos problemas.

Em termos gerais, é possível identificar três grandes áreas em que a IA pode mudar o paradigma de cuidados na saúde: a melhoria da eficácia no tratamento de doenças, o aumento da capacidade da medicina para detetar vulnerabilidades e atuar preventivamente para evitar o desenvolvimento de determinadas patologias e um atendimento e prestação de serviços aos doentes mais eficiente.

Quando falamos em IA, em causa não está uma só tecnologia, mas um conjunto. Até porque os processos e tarefas onde se aplicam são muito diversos.

Por isso, quando falamos de IA, podemos estar a referir-nos ao ‘machine learning’, por exemplo, cuja aplicação mais evidente em saúde está relacionada com a medicina de precisão. Outra tecnologia é o processamento de linguagem natural, que, em saúde, pode aplicar-se, por exemplo, numa melhor compreensão e classificação de documentação clínica e pesquisas publicadas, análise de notas clínicas ou preparação de relatórios.

Os robots físicos, nomeadamente em cirurgias, e a automação, para tarefas digitais estruturadas, são outras das ferramentas em crescimento.

Benefícios da IA

Quando falamos de IA sabemos de antemão que a inovação é uma constante e que, portanto, rapidamente algumas soluções agora desenhadas serão substituídas por outras melhores e mais sofisticadas, que ainda desconhecemos. Mas sabemos já algumas das potencialidades das novas tecnologias na área da saúde.

A conjugação da IA e da análise preditiva permitirá perceber quais os diferentes fatores que, em cada indivíduo, podem influenciar o percurso da sua saúde. Heranças genéticas, comportamentos, local de nascimento, contextos em que se está inserido ou o nível socioeconómico vão condicionar a evolução da saúde e a IA vai ajudar cada vez mais a perceber de que forma. Com estes instrumentos, será mais fácil detetar, antecipadamente, os riscos de desenvolvimento de doenças crónicas e, portanto, formas de as prevenir ou melhor tratar. De resto, já nos dias de hoje se começa a observar uma diminuição da prevalência de patologias como a diabetes ou as insuficiências cardíacas e respiratórias graças a este maior potencial de prevenção. 

Mesmo fora dos hospitais, as ferramentas desenvolvidas graças à IA podem ajudar a que seja possível a identificação de grupos de risco e pessoas vulneráveis, seja através das organizações de cuidados primários ou comunitárias.

Ainda no tratamento de informação médica, outra das transformações em curso pode passar pela utilização da IA para tratar dados como os que são recolhidos nos exames complementares de diagnóstico, para os converter em material útil para o acompanhamento clínico dos doentes. Noutra área, alguns equipamentos de exame de imagem, por exemplo, podem vir a detetar estágios de doenças tão iniciais que não são ainda observáveis pelos técnicos.

Num outro nível, o desenvolvimento de ‘chatbots’ (software baseado em IA que permite manter conversas em tempo real, seja por texto ou por voz) de atendimento médico, com algoritmos que permitem, por exemplo, ler exames médicos ou recomendar diagnósticos, começam a ser uma realidade, embora ainda com muitas reticências.

Também na área da gestão hospitalar e de meios, irá caminhar-se a passos largos para interligar digitalmente as diferentes infraestruturas, possibilitando um aumento do trabalho em rede e uma prestação de cuidados de saúde mais conectada e interligada. Diminuir estrangulamentos nos serviços e fazer uma melhor gestão e alocação de recursos (técnicos e humanos), consoante as necessidades existentes, irá contribuir para a prestação de melhores cuidados, mais céleres e convenientes para os doentes.

Acresce que esta questão da melhoria da prestação de cuidados aos cidadãos não se trata de uma mera questão técnica ou de políticas de gestão. Existe um efeito, já comprovado em diversos estudos, não só na qualidade de vida como na redução do sofrimento, prevenção de determinados quadros clínicos e maiores taxas de adesão terapêutica, em resultado de serviços de maior qualidade e melhores experiências de atendimento. E não são só os doentes que beneficiam. Também as equipas clínicas, que sofrem de um enorme desgaste, melhoram as condições em que trabalham.

A redução das listas de espera, a melhoria dos fluxos de trabalho e a redução do volume das tarefas administrativas que têm de ser realizadas pelos clínicos são exemplos de questões concretas em que a IA acrescenta valor.

O outro lado da IA e a necessidade de regulamentar

Apesar de poderem vir a contribuir para libertar as equipas clínicas de algum trabalho burocrático e administrativo, teme-se que determinadas soluções tecnológicas ameacem a prestação de cuidados por humanos nas áreas em que a IA vai permitir ajudar a diagnosticar, monitorizar, prevenir e, quem sabe, tratar algumas doenças.

É, por essa razão, que muitos sublinham a importância de garantir a IA na saúde é encarada como um apoio e uma ferramenta que impulsiona e promove melhores cuidados de saúde, e não um substituto dos humanos. Este é um serviço para pessoas que deve ser protagonizado também por pessoas. As novas tecnologias podem ajudar a conectar, mas o grande garante da ligação entre humanos decorre das relações interpessoais.

Numa área tão sensível como esta, várias vozes da área têm vindo a defender a necessidade de envolver o poder político, os reguladores e as instituições de saúde para acompanhar a evolução da IA nesta área e garantir que não se perde o controlo. Assegurar as questões éticas, a transparência, a proteção de dados e, em geral, a supervisão das práticas, assim como a existência de limites, são considerados fatores indispensáveis para que se possa retirar o que de positivo tem todo este desenvolvimento tecnológico, sem danos irreparáveis.

Quer para os prestadores de cuidados de saúde, organizações da área da ciência médica ou utilizadores, a IA já é, em alguma medida, uma realidade. Por outro lado, embora se estime que uma automação em grande escala do trabalho dos profissionais de saúde não esteja para breve, é certo e sabido que o caminho de utilização da IA nesta área é uma curva claramente ascendente. Não só pela enorme pressão que existe no setor da saúde, mas também pela cada vez maior complexidade e volume de dados que é preciso tratar.