Tecnologia e Inovação

Empreender no feminino num mundo de homens

Sempre que se aproxima a data em que se celebra o Dia Internacional da Mulher, a 8 de março, invariavelmente olhamos com mais atenção para as desigualdades de género ainda existentes. O empreendedorismo e o mundo das startups é apenas mais um exemplo que confirma a regra, ainda por cima bem ilustrativo de como são difíceis e morosos os processos de mudança de mentalidades quando em causa estão crenças culturalmente tão entranhadas.

Tão associado à inovação e às novas gerações, o empreendedorismo replica, ainda, a realidade do mundo de negócios dito mais tradicional. Se olharmos para a Europa, por exemplo, números recentes da Comissão Europeia revelam que, apesar de já existirem mais mulheres que homens no universo populacional, somente um terço do total de trabalhadores por conta própria são mulheres.

Em Portugal, estima-se que apenas um quinto das startups sejam cofundadas por mulheres e que, quando falamos de tecnológicas, a fatia é ainda menor e ronda os 10%.

Do outro lado do Atlântico, o cenário não é muito melhor. Os estudos que têm sido feitos indicam por exemplo que, quando falamos de captação de investimento via capital de risco, não chega aos 15% a parcela que tem como destino startups fundadas por mulheres.

Esta discrepância contrasta depois com os dados sobre o sucesso dos projetos. As estatísticas demonstram que as startups criadas por mulheres apresentam, em média, um desempenho superior às fundadas por homens, gerando um maior retorno do investimento.

 

O que ainda justifica as diferenças

Quando analisamos as razões que justificam esta realidade verificamos que existem entraves quer a montante quer a jusante. É que, ainda antes de terem de gerir as dificuldades da entrada neste mundo marcadamente masculino, a muitas mulheres não passa ainda sequer pela cabeça empreender e lançar a sua própria startup, o seu próprio negócio.

Por um lado, o preconceito não está, infelizmente, só nos homens, mas também nas próprias mulheres, existindo ainda muito um estereótipo que associa eficiência e profissionalismo a lideranças masculinas. A imagem clássica do empreendedor é uma figura masculina, determinada, persistente e de perfil muito competitivo.

Depois, tal como ainda acontece em tantas outras áreas, a desigualdade fora do trabalho – em áreas como o cuidar dos filhos ou a gestão da casa – pode afetar a disponibilidade das mulheres para se dedicarem à profissão, seja essa menor disponibilidade real ou percecionada. Ambas têm potencial para se traduzirem em discrepâncias de género em termos de oportunidades.

Organizações como a OCDE realizaram estudos que revelam que as mulheres portuguesas têm menor preferência pelo autoemprego e pelo trabalho por conta própria do que os homens. São vários os casos em que foram situações de crise – como uma perda de emprego ou uma quebra repentina de rendimentos – que levam as mulheres a tentar a sua sorte no empreendedorismo.

Associado está depois um certo efeito de ‘bola de neve’: a maior escassez de exemplos femininos de sucesso no mundo do empreendedorismo alimenta os preconceitos, não só dos stakeholdersfinanciadores, parceiros, colaboradores – como das próprias mulheres, que podem ser tentadas a interiorizar que este é um mundo que não é para elas. O próprio estereótipo atrás referido, que associa o perfil do empreendedor a um modelo masculino, pode funcionar como um dissuasor para as mulheres e para a forma como estas percecionam a sua própria competência.

Mas é claro que o problema está longe de ter por principal causa as resistências das mulheres. Existe ainda um enorme viés traduzido numa perceção de menor credibilidade das mulheres, exercida por bancos, investidores de capital de risco ou até mesmo clientes. Ou que categoriza o tipo de negócios consoante os que são mais naturalmente associados às mulheres – como os ligados à moda ou a produtos para crianças – e outros como os tecnológicos, ainda catalogados como território masculino.

Obter financiamento, arranjar parceiros e conseguir que o mercado as leve a sério e quebre a desconfiança inicial implica ter de trabalhar muito mais para quebrar barreiras e provar competências, dizem muitas mulheres empreendedoras. Depois, a maioria dos investidores são ainda homens, os colegas de startup também e as iniciativas e conteúdos de apoio a quem se estreia no mundo das startups tendem ainda a ser muito virados para os homens.

A necessidade de trabalhar mais para provar o mesmo e combater as resistências iniciais acaba por ter, ainda assim, as suas vantagens, justificando muitas vezes a maior solidez, sustentação e resiliência dos negócios fundados por mulheres, numa área onde é enorme o número de startups que não sobrevivem.

 

Pandemia e transformação do mercado de trabalho aceleram mudanças

As alterações a que temos vindo a assistir no mundo do trabalho, com a veloz digitalização das economias, associadas às dificuldades que a pandemia está a trazer, precipitam alguns movimentos e tem vindo a aumentar, um pouco por todo o mundo, o número de mulheres que criam o seu próprio negócio.

 

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A Internet permite, por exemplo, testar as probabilidades de sucesso de um projeto sem grandes investimentos iniciais e muitas são as mulheres – assim como homens – que veem neste maior recurso ao digital e ao trabalho remoto uma oportunidade para optar por trabalhar por conta própria e assim ter maior liberdade, flexibilidade e independência na gestão das suas carreiras.

Ainda que ser mulher no mundo do empreendedorismo seja ainda uma barreira, vivemos tempos em que a tomada de consciência para as diferenças e discriminações ainda existentes é muito maior. Com essa consciencialização, têm surgido mudanças de mentalidades, “forçadas” em alguns casos com medidas governamentais no sentido de promover uma maior igualdade.

Seja qual for a via escolhida para quebrar este círculo vicioso, a mudança começa aos poucos a dar-se e o mundo do empreendedorismo não será, a prazo, exceção. Resta agora saber de que horizonte temporal estamos exatamente a falar.