Dinheiro e Poupança

A criptomoeda é um problema para a banca?

A tecnologia em que assentam as criptomoedas é denominada de blockchain, que permite criar registo de transações financeiras e não financeiras de forma segura e não adulterável.

Entre vantagens e riscos, ainda é cedo para saber ao certo se as criptomoedas vão ou não ser uma ‘dor de cabeça’ para os bancos e, mais do que isso, para a estabilidade do sistema financeiro. Mas os perigos estão à espreita e a pressão do mercado para que a banca se envolva mais neste universo é grande.

Na resposta à crise financeira de 2008, os bancos enfrentaram uma onda de regulamentação para limitar os riscos e prevenir novos problemas e efeitos de contágio para a economia. No entanto, é hoje bastante evidente para todos que o setor não está a salvo de surpresas desagradáveis. Uma delas pode vir a ser das criptomoedas.

Ainda a crise financeira estava a correr e surgia a primeira criptomoeda, a bitcoin, no ano de 2009. Esta e outras moedas surgidas entretanto – caso da ethereum – vieram para ser uma alternativa ao dinheiro físico e funções similares de meio de troca, reserva de valor e, desejavelmente, unidade de conta, algo que está altamente dificultado pela sua enorme volatilidade. São moedas que existem apenas virtualmente e que fazem uso da criptografia para proteger as transações.

A tecnologia em que assentam as criptomoedas é denominada de blockchain, que permite criar registo de transações financeiras e não financeiras de forma segura e não adulterável. Para além da criação, armazenamento, transferência e negociação de criptomoedas, serve ainda para garantir a validade de contratos digitais ou de documentos, entre outras finalidades. O uso destas moedas digitais cresceu exponencialmente nos últimos anos, tendo a pandemia contribuído consideravelmente para tal.

Para os bancos, a tecnologia blockchain pode, potencialmente, reduzir substancialmente os seus custos operacionais e aumentar a eficiência em diferentes atividades financeiras, caso dos pagamentos, empréstimos ou liquidação de ativos. Áreas como a intermediação financeira poderão beneficiar bastante deste mercado, nomeadamente porque os contratos de empréstimo são realizados automaticamente, sem a necessidade de um intermediário centralizado.

Os riscos

Apesar das vantagens, são poucos os bancos que já se aventuraram de forma expressiva. E não é para menos. Um dos principais riscos dos ativos virtuais, como as criptomoedas, reside no facto de a sua utilização não ser garantida ou supervisionada por qualquer autoridade nacional ou europeia. Para os bancos, isto pode constituir um enorme problema.

Numa nota recente, citada pela agência noticiosa Reuters, a Comissão Europeia refere que, efetivamente, os bancos ainda têm um nível de exposição baixo às criptomoedas. Também quanto ao fornecimento de serviços relacionados com criptoativos, o envolvimento ainda é limitado. No entanto, ainda que a criptografia seja ainda uma exceção na linha de produtos para muitos bancos, alguns já começaram a assumir maiores compromissos.

Um dos riscos mais temidos pelas autoridades é o de contágio entre a instabilidade no mercado das criptomoedas e os bancos. Para além do vazio regulatório, este é um mercado fortemente especulativo. Convém lembrar, por outro lado, que as instituições bancárias são intermediárias financeiros, o que faz com que os efeitos nocivos não tenham de resultar necessariamente de uma exposição direta. Podem surgir por conta de problemas entre participantes nas transações com criptoativos.

Quando falamos deste tipo de ativos, em causa pode estar, por exemplo, uma potencial grande volatilidade de preçosriscos de liquidez, possibilidade de perda parcial ou total de montantes investidos (já que o capital não está garantido), prestação de informação incompleta ou errada ou uma maior propensão para fraude e encobrimento de atividades ilicitas como o branqueamento de capitais, em resultado da complexidade dos mesmos.

Eventos recentes vieram igualmente alimentar as reticências do setor. Se é verdade que a desconfiança quanto ao dinheiro digital já estava presente, o caso FTX surgiu com um enorme aviso de quão mal podem correr as coisas neste novo mundo. Foi uma das maiores bolsas de criptomoedas – tendo chegado a valer 32 mil milhões de dólares – e acabou por avançar com um processo de insolvência nos EUA no final do ano passado, depois de os clientes terem saído em massa devido a dúvidas relativamente à saúde financeira e liquidez da corretora, o que levou a uma vertiginosa queda do seu valor. Receios relacionados com os efeitos da subida das taxas de juro e das quedas nos mercados de ações tão pouco ajudaram, tendo ocorrido uma forte desvalorização em várias moedas digitais, sintomática da fragilidade e especulação neste mercado.

Ainda assim, como tantas vezes acontece em investimentos de grande volatilidade e risco, a possibilidade de maiores ganhos acaba por ser um enorme e tentador atrativo. O interesse por ativos digitais (nomeadamente as criptomoedas) continua a existir, colocando pressão sobre os bancos, através dos seus clientes, para o acesso e exposição a este mercado. Algumas instituições já estão a dar passos nesse sentido, por exemplo através da negociação de criptoativos em nome dos seus clientes e fornecimento de serviços relacionados com os mesmos.

Regulação aperta o cerco

Não é, de resto, por acaso que os reguladores, nomeadamente os europeus e os norte-americanos, se estão a apressar a regulamentar o que podem, num setor que tem ainda muito de novo.

Na Europa, Bruxelas veio impor que os fornecedores de serviços de criptoativos tenham de respeitar exigentes requisitos por forma a proteger as carteiras dos consumidores e assumir maiores responsabilidades. Por outro lado, o Comité de Basileia irá, até 2025, definir requisitos de capital para a exposição dos bancos a criptomoedas.

Nos EUA, o tema também tem merecido a atenção e preocupação dos reguladores e das instituições bancárias. A Fed prepara-se para limitar a atividade bancária de criptomoedas e já pediu aos bancos que se munam dos instrumentos necessários para monitorizar adequadamente os fundos criados por entidades relacionadas com criptoativos. Um dos riscos que preocupam as autoridades é a possibilidade de resgates repentinos e em grande volume.

Em Portugal, o regulador bancário veio também recentemente alertar para os perigos dos criptoativos. O Banco de Portugal lembra que, embora o volume global em criptoativos seja ainda limitado, se este crescer a um ritmo acelerado, haverá riscos para a estabilidade financeira e pode existir um impacto no próprio negócio bancário tradicional, mais propriamente no crédito concedido. 

“Os bancos utilizam depósitos para conseguir conceder empréstimos às empresas. Se um cada vez maior nível de fundos for colocado em DeFi em vez de depósitos bancários, tal pode conduzir a uma redução significativa dos empréstimos bancários e ao seu encarecimento, colocando em risco a função fulcral dos bancos na intermediação financeira”, referiu a entidade liderada por Mário Centeno.

Entre a necessidade de responder aos pedidos do mercado, a pressão dos reguladores e a memória das crises recentes, o momento é de ambivalência e, aparentemente, de cautela. A maioria dos bancos está nesta altura numa postura de ‘esperar para ver’.

Em termos regulatórios, por exemplo, há ainda temas por definir, fazendo com que a banca precise ainda de perceber melhor, entre benefícios e custos, o que é mais vantajoso fazer. Por outro lado, importa também que exista uma consolidação num mercado que é ainda, apesar de tudo, recente. Seja como for, mais tarde ou mais cedo, este é um setor onde os bancos terão de marcar presença. Sem comprometer a sua solidez financeira.