Dinheiro e Poupança

Criptoativos, incluindo as criptomoedas: considerações contabilísticas e fiscais

Um assunto contabilístico cada vez mais emergente é o tratamento dos criptoativos, incluindo-se neste conceito as criptomoedas, atendendo à quantidade crescente de produção e transação deste tipo de ativos.

Para podermos proceder ao enquadramento contabilístico é necessário conhecer o tema e, neste caso, trata-se de um assunto que gera muitas dúvidas, até pela forma disruptiva como foram introduzidos novos itens no sistema financeiro. O Banco de Portugal considera os criptoativos como “representações digitais de valores ou de direitos que podem ser transferidos e armazenados eletronicamente”. “Apesar de poderem ser usados para fazer pagamentos, como o valor dos criptoativos oscila muito, são sobretudo utilizados como ativos de investimento[1].” Considera ainda que “os criptoativos não podem ser considerados verdadeiras moedas”, uma vez que “não são garantidos pelo Banco de Portugal nem por qualquer outra autoridade nacional ou europeia e porque não existe qualquer proteção legal que confira direitos de reembolso ao consumidor.”

Os criptoativos podem ser resultado de:

  1. Um processo de produção (“mineração”); ou
  2. De aquisição.

A mineração de criptoativos

A produção (“mineração”) consiste no processo de validação e inclusão de novas transações no blockchain, ou seja, um enorme banco de dados público que regista o histórico de movimentações dos utilizadores na construção ou compra de uma plataforma de mineração. Este processo é realizado através de um computador projetado especificamente para minerar criptomoedas, que usa vários CPU´s capazes de realizarem cálculos matemáticos complexos a altas velocidades. Consome-se assim, no processo produtivo, “hardware”, “software”, energia e horas de mão-de-obra, entre outros gastos. Por exemplo, o tempo estimado para minerar uma bitcoin, em condições ideais pode ser entre 10 minutos e 30 dias

Temos assim um processo de produção que será contabilizado de acordo com a norma sobre inventários[2].

Os inventários serão mensurados inicialmente pelo custo e subsequentemente pelo custo ou valor realizável líquido, dos dois o mais baixo.

Os registos contabilísticos fazem-se como em qualquer outro processo de produção, através do cálculo analítico do custo de produção e depois o ajuste dos gastos do período através da conta de “Variação da produção” (73). 

No final de cada exercício económico e após o teste de imparidade, verificando-se que o valor realizável líquido se encontra abaixo do custo, será reconhecida a perda respetiva, que poderá ser revertida em períodos seguintes.

Aquando da venda dos ativos, serão registados os ganhos ou perdas que resultarem da diferença entre o preço de venda e o preço de custo (eventualmente já ajustado por perdas por imparidades).

Tratamento fiscal da mineração

No caso das empresas, em sede de IRC, não há necessidade de um tratamento específico, uma vez que os rendimentos e gastos são tratados no âmbito dos inventários.

Quanto às atividades individuais, sujeitas a IRS, e após a publicação do Orçamento de Estado para 2023, é aplicado um coeficiente de 0,95 para rendimentos de categoria B[3], o que significa que a quase totalidade dos rendimentos é tributada (95%) em sede de IRS, justificada pelos impactos ambientais que a atividade de mineração implica.

tributação de criptomoedas também está prevista ao nível do imposto de selo[4], em que nas transmissões gratuitas aplica-se uma taxa de 10%[5]. No caso de comissões cobradas por serviços de intermediação de criptomoedas, aplica-se uma taxa de 4%[6] sobre o valor das comissões.

Relativamente ao IMT, aquando do momento da compra de um imóvel, está estabelecido que o valor a considerar para determinar a taxa de IMT a aplicar deve incluir o valor das criptomoedas dadas em troca[7].

A aquisição de criptoativos

A aquisição de criptoativos pode ser feita a través da compra, para efeitos de futura venda ou para pagamento correntes, ou ainda pelo processo de recebimento de uma quantia por parte de um devedor numa transação comercial.

No caso da aquisição por via de um recebimento numa transação comercial, sugere-se que seja considerado um ativo financeiro, e registados em conta 14, uma vez que decorre de relacionamentos contratuais de venda de bens e serviços e de outros direitos relacionados com a atividade económica da entidade, designadamente de clientes. Podem depois ser usados para fazer pagamentos a fornecedores.

Contudo, é preciso notar o entendimento da Comissão de Normalização Contabilística (CNC) quanto a este tema, na sua FAQ 38, quando referem que “Os detentores de criptomoedas devem avaliar cuidadosamente se os termos e condições das suas criptomoedas dão origem a um contrato que confira às partes direitos e/ou obrigações que permitam o enquadramento da criptomoeda enquanto instrumento financeiro. Na ausência de um contrato, uma criptomoeda não é um instrumento financeiro.”

No caso das microentidades, serão mensurados ao custo de aquisição, sujeito a ajustamentos subsequentes derivadas de eventuais imparidades[8].

No caso da aquisição para efeitos de investimento, é entendimento da CNC que “uma criptomoeda que não satisfaça a definição de caixa ou de outro instrumento financeiro poderá ser enquadrada na NCRF 6 – Ativos Intangíveis, porque são, geralmente, “ativos não monetários” e “são, por natureza, sem substância física”. Contudo “caberá aos preparadores das demonstrações financeiras a avaliação da NCRF aplicável, em função do julgamento das características e circunstâncias específicas das criptomoedas detidas pela entidade.”

Efeitos fiscais da transação

Para efeitos de apuramento do resultado da transação, o CIRC não necessita de tratamento específico, uma vez que define o conceito de mais e menos-valias, quando se trata de ativos intangíveis ou de instrumentos financeiros.

Em sede de IRS, continuam a não ser tributas as mais-valias[9] (Categoria G) resultantes da alienação de criptomoedas detidas por um período igual ou superior a 365 dias[10]. Isto significa que os investimentos efetuados em criptomoedas a longo prazo não estarão sujeitos a qualquer imposto sobre mais-valias. Apenas ficam sujeitos a tributação à taxa autónoma de 28%[11] as mais-valias resultantes da alienação de criptomoedas detidas por um período inferior a 365 dias. Contudo, se o titular tiver um rendimento coletável superior ao valor previsto para o último escalão de IRS, o englobamento das mais-valias obtidas através de criptoativos é obrigatório[12].

Os NFTs também foram excluídos da tributação.

As transferências entre carteiras, endereços ou contas próprias são um facto não tributável e, por conseguinte, não são tributadas.

Aos rendimentos de atividades ligadas a criptoativos (Categoria B) com exceção de mineração aplica-se um coeficiente de 0,15[13]. Ou seja, 15% dos rendimentos ligados a criptoativos são tributados, de acordo com os escalões de IRS em vigor.


[1] https://www.bportugal.pt/page/criptoativos-stablecoins-e-euro-digital-descubra-diferencas-1

[2] NCRF 18 para o Regime geral, o § 11 do Aviso n.º 8257/2015, para Pequenas Entidades e o § 11 do Aviso n.º 8255/2015 para Microentidades

[3] Artigo 31.º, n.º 1, alínea d)

[4] Artigo 14.º – A, do CIS

[5] Verba 1.2 da Tabela Geral do Imposto de Selo (TG IS)

[6] Verba 17.3.4 da TG IS

[7] Artigo 12.º, n.º 5, alínea b) do CIMT 

[8] §17.3 do Aviso n.º 8255/2015

[9] Artigo 10.º. n.º 1, alínea k) do CIRS

[10] Artigo 10.º, n.º 19 do CIRS

[11] Artigo 72.º, n.º 1, alínea c) do CIRS

[12] Artigo 72.º, n.º 14 do CIRS

[13] Artigo 31.º, n.º 1, alínea a) do CIRS