Tecnologia e Inovação

Economia circular e sustentabilidade – como estamos em Portugal? 

A promoção da economia circular é um dos instrumentos mais importantes no combate em curso contra a atual crise climática. Com a aposta na manutenção em circulação, pelo maior tempo possível, dos produtos, pretende-se reduzir a pressão sobre os recursos naturais, diminuir o desperdício, baixar o impacto ambiental da ação humana e contribuir, assim, para um crescimento mais sustentável. Calcula-se que a extração e processamento de recursos naturais contribua para cerca de metade do total de emissões globais de gases com efeito de estufa.

Por oposição, na economia dita linear, que ainda é claramente prevalecente, os recursos são extraídos e transformados em produtos que dão lugar, finda a sua utilização, a resíduos. Numa economia circular, após a extração, transformação e consumo, entram a manutenção e reparação, a reutilização e, só depois, a reciclagem ou a inutilização definitiva, de forma consciente ambientalmente.

Os três pilares das economias circulares são a eliminação de resíduos e poluição desde o início da cadeia produtiva, a maximização, tanto quanto possível, da utilização de cada material e produto, e a regeneração da natureza, pela recuperação dos ecossistemas e através de um equilíbrio sustentável entre os recursos disponíveis e o seu consumo.

promoção de economias circulares é, de resto, uma das medidas estratégicas definidas pela União Europeia (UE) para atingir a neutralidade climática até 2050 e travar a perda da biodiversidade.

O desempenho português na promoção de economias circulares

Enquanto Estado-membro da UE, Portugal está ‘intimado’ a cumprir a sua parte. Mas, por ora, os resultados deixam ainda muito a desejar.

De acordo com os últimos dados disponíveis, divulgados pelo Eurostat em 2022, Portugal apresenta taxas de circularidade de 2%, colocando o país entre os piores da Europa neste âmbito. De um universo de 27 estados-membros, Portugal ficou em 24º lugar em 2021 na utilização de materiais recicláveis. No lado oposto, os Países Baixos têm uma taxa de circularidade superior a 30%. A média da UE é de 11,7%, o que, na prática, significa que é esta a percentagem de recursos utilizados no espaço europeu que provém de resíduos reciclados.

Embora exista, segundo o Eurostat, um abrandamento generalizado na taxa de circularidade da UE, Portugal caiu de uma taxa que já era muito baixa em 2020 (2,5%) para os 2,3% de 2021. O que justifica tão fracos resultados?

Algumas explicações têm sido avançadas por quem estuda estas temáticas, onde se inclui uma diminuta consciencialização da sociedade como um todo para a necessidade de mudança de comportamentos. O facto de existirem fracas condições para que a reutilização de materiais se faça e para que os particulares possam dar o seu contributo faz com que, mesmo quem está consciencializado para tal, tenha poucos instrumentos para pôr a circularidade em prática.

Existem inúmeros entraves a vários níveis, quer políticos como técnicos, regulamentares e legais. De resto, é precisamente na área legislativa que mais se reclama por condições necessárias. Como em outras áreas, os especialistas apontam o dedo sobretudo ao poder político, por anunciar planos ambiciosos que depois não são postos em prática.

O plano europeu

A UE definiu em 2020 um plano de ação destinado a impulsionar consideravelmente a circularidade e assim acelerar o caminho para a neutralidade carbónica até 2050. Entre os objetivos pretendidos estão: apostar em mudanças sobretudo nos setores que utilizam mais recursos e onde o potencial de circularidade é elevado (baterias e veículos, embalagens, plásticos, têxteis, construção e alimentos, entre outros), permitir que a circularidade funcione para pessoas, regiões e cidades e garantir menos desperdício. 

Para tal, algumas das medidas previstas na promoção de uma maior circularidade na indústria são o uso das tecnologias digitais para fins de seguimento, localização e mapeamento de recursos, aumento da durabilidade, possibilidade de reutilização, capacidade de atualização e reparabilidade dos produtos, redução da presença de produtos químicos perigosos na produção e aumento da eficiência energética dos produtos, assim como da eficiência na utilização dos recursos. Outras medidas incluem restringir a utilização únicaaumentar a percentagem de materiais reciclados nos produtos e a remanufatura e a reciclagem de alta qualidade, proibir a destruição de bens duradouros não comercializados e recompensar os produtos com base no seu desempenho diferenciado em termos de sustentabilidade.

Mudanças a fazer pelas empresas

Pese embora os ajustes a fazer para mudar a forma como se produz, a filosofia das economias circulares promete ser, a prazo, francamente vantajosa para as empresas que aprendem, por exemplo, a utilizar materiais de forma mais eficiente, a comercializar produtos e serviços com menor uso de recursos e a recuperar resíduos para o fabrico de novos produtos.

Para que uma empresa tire partido de tais benefícios e faça a sua parte na promoção de uma economia cada vez mais circular, é importante que, em primeiro lugar, seja feito um levantamento das áreas onde é possível conseguir uma redução do desperdício e trabalhar para métodos de fabrico de produtos ou prestação de serviços com menor impacto ambiental, menor uso de recursos (sobretudo finitos) e que contribuam, após a comercialização, para utilizações mais sustentáveis. Integrar plataformas de partilha de recursos, apostar na renovação e retransformação de produtos e procurar criar produtos de maior durabilidade, reutilização e reciclagem são algumas das estratégias possíveis a adotar. No fundo, esta nova filosofia de produção vai implicar o desenho de novos modelos de negócio e o envolvimento de toda a empresa, em maior ou menor escala.

Estas e outras medidas assentam num pressuposto fundamental que é, na verdade, um dos fios condutores das economias circulares – no que à indústria e serviços diz respeito -: passar a ter como preocupação central o que acontece aos produtos depois de terem sido vendidos. Tal implica que, a par do custo e atratibilidade do produto, há que passar a ter também em conta todo o ciclo de vida do produto, assim como o impacto em termos de consumo de recursos e consequências ambientais do fabrico do mesmo.

Uma das áreas que mais pode beneficiar da introdução de processos de economia circular é o setor alimentar, assim como aqueles que têm nos alimentos e bebidas uma das matérias-primas mais utilizadas, como é o caso dos restaurantes, da hotelaria ou do retalho alimentar. Não só há grandes poupanças que se podem conseguir através da mudança de processos, como são negócios aos quais os consumidores estão particularmente atentos, numa altura em que a opinião pública está cada vez mais desperta e exigente em questões como o desperdício e o impacto ambiental das atividades económicas.

Nos diferentes setores de atividade, a tecnologia promete ser uma importante ajuda, graças às inovações a que temos assistido. A Internet das Coisas (IoT), a inteligência artificial, incluindo a robótica, e a impressão 3D são algumas das ferramentas agora disponíveis.

A realidade atual, com os consumidores cada vez mais conscientes da pegada carbónica associada ao que consomem, o peso da inflação e as grandes dificuldades que muitas empresas enfrentam no acesso às matérias-primas, só confirma a ideia de que o caminho é, claramente, a economia circular.

Às empresas cabe perceber o que o mercado pede, entender o que é eticamente correto fazer e saber tirar partido das oportunidades de negócio e ganhos de eficiência que esta nova filosofia de desenvolvimento económico irá certamente trazer.